Capítulo 3

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Quando acordei, pude ver no espelho do teto do quarto um senhor com um rapaz com idade para ser seu filho. Desviei os olhos de minha barriga de lua cheia e me levantei para mijar, tomar banho, escovar os dentes e dar um jeito na minha aparência antes que ele acordasse. Não fui bem sucedido. Ele acordou assim que me levantei e correu na minha frente para o banheiro, trancando a porta ao passar por ela. Minha bexiga explodia, mas fui capaz de controlar a urgência em bater na porta para ordenar a sua saída.

Do quarto, lhe perguntei pelo livro. Tinha medo de que o texto fosse pouco profissional e queria ter um tempo para analisá-lo antes de o enviar para meus colegas. Gritando do chuveiro — que sofria com as altas temperaturas à que Vítor o fazia expelir água — ele me contou que sempre carregava o livro em seu celular para o caso de que estivesse inspirado e quisesse escrever ou alterar alguma coisa. Aquilo me acalmou. Quando eu fosse para Teresópolis teria o livro em mãos e um fim de semana inteiro para garantir que eu não perderia minha credibilidade com a editora.

Quando ele finalmente saiu, seu rosto sério indicava que teríamos aquela conversa. Aquela na qual esses rapazes me contam que não querem nada sério ou que voltaram com o ex. Por sorte, não era nada disso. Ele só estava preocupado com o livro.

— Tem certeza de que quer fazer isso? — ele disse sem me olhar nos olhos.

— Isso o quê? — Ele me parecia nervoso enquanto olhava o chão e suas mãos se esfregavam compulsivamente.

— Me ajudar com o livro. — respondeu ele finalmente parando o que quer que fosse aquilo que fazia com as mãos. — Não quero que você tenha a ideia errada. Na verdade, não quero que você tenha esse trabalho.

Naquele momento, tomei-lhe o rosto em minhas mãos e o forcei a olhar em meus olhos.

— Você não precisa se preocupar com nada. — falei. — Se eu faço, é porque eu quero.

Ele ainda me parecia envergonhado, mas também agradecido. Quando finalmente terminou de compreender aquilo que eu estava dizendo, ele me abraçou escondendo seu rosto em meu peito. Ali, percebi que nossos encontros não se pareciam em nada com os outros que, vez ou outra, eu tinha com rapazes como ele. Por mais que parte de meu cérebro tentasse me forçar a acreditar que não — por culpa e bom senso —, eu estava certo de que nós dois era real. Eu sabia que estava cedo demais para essa conclusão. Ainda assim, era isso que eu sentia.

Pouco antes de irmos embora, me ofereci para levá-lo para casa. Ele recusou me dizendo que morava muito longe e que me tiraria do caminho para Teresópolis. Acabei o convencendo a me deixar levá-lo até o ponto de ônibus. Dessa vez, saímos do motel abraçados. A culpa acabaria falando mais alto no caminho até o ponto.

— Eu sou casado.— lhe falei enquanto olhava os carros em minha frente.

— Eu sei. — disse ele olhando minha mão no volante com a marca de sol no dedo anelar. A outra, pousada em sua coxa, ele segurou de leve.

Em Teresópolis, entre calhas cheias de folhas secas para limpar e chuveiros queimados para trocar, li o livro de Vítor. O original precisaria de várias alterações. Na verdade, ele precisaria ser reescrito para que o meu rapaz tivesse alguma chance de ser publicado. Minha reputação no trabalho também dependia de que eu não sugerisse a publicação de um livro como aquele com seu plot twist clichê e suas cenas piegas. Acabei passando aquelas noites em claro o reescrevendo. Ainda assim, teria que continuar o trabalho quando chegasse em casa.

Quando voltei de Teresópolis, encontrei a casa mais arrumada do que estava acostumado. Ela cheirava a algo que há muito não sentia. Era a lasanha de Marta, meu prato favorito. Eu a encontrei na cozinha tirando a bandeja cheia de massa, queijo derretido, molho e carne moída de dentro do forno, inundando ainda mais a casa com aquele cheiro delicioso.

Ela usava o vestido azul marinho que eu lhe dei de presente, o que indicava que aquela devia ser uma ocasião especial. Eu não conseguia pensar em nada relacionado à data: não era nosso aniversário, nem o dia dos namorados, nem nada. Mas aquele vestido, em geral, era reservado apenas para suas importantíssimas reuniões de trabalho, apesar de todos os meus elogios à ela quando o usava.

— Eu queria fazer algo especial para quando você voltasse. — ela explicou ao me ver a observando.

— Qual é a ocasião?

— Nenhuma. — Ela respondeu se pendurando em meu ombro da ponta de seu salto altíssimo. — É só que, eu sei que nosso casamento anda meio sem sal, mas aquela noite me mostrou que eu tenho muita sorte de ter você, Beto.

Eu não a respondi. Apenas sorri e lhe dei um beijo. Ela se soltou de mim e foi buscar o vinho no armário da copa. Quando ela se abaixou, pude ver suas pernas pela fenda na parte de trás do vestido. Elas tinham sido depiladas recentemente e estavam rígidas do pilates que fazia — religiosamente — três vezes por semana. Aquilo me acordou para minha própria aparência. Os braços finos e flácidos, a barriga protuberante...

— O que foi que Vítor viu em mim? — pensei.

— Você não devia ter pintado o cabelo. — ela disse. — Os grisalhos te faziam bem. Homem tem muita sorte com isso. Vocês ficam mais charmosos com a idade, a gente é que perde a graça.

— Você está linda. — lhe disse. — Como sempre.

— Eu te amo, Roberto. — Eu não conseguia lembrar a última vez que tinha ouvido isso dela.

Naquela noite, discutimos alguns planos para conseguir um emprego para o nosso filho Paulo quando ele terminasse a faculdade e prometemos dar seguimento ao projeto dela de redecorar a nossa sala de estar. Depois que comemos a lasanha quase por inteiro, fomos para o quarto assistir "Proposta Indecente". Era o filme que nós fomos ver no cinema ainda em nosso segundo encontro, quando éramos jovens. Acabamos transando durante o filme ao som de The Pretenders. E ela me disse não gostar de meu peito depilado.   

Rapaz da LapaOnde histórias criam vida. Descubra agora