O cheiro do Oceano

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"Viver aqui eu não posso
Nem no vale, nem na serra;
Eu não sou filha da terra,
Eu sou sereia do mar.
Correi, ondas, brandamente,
Correi, vinde me buscar."

(A sereia e o pescador, Bernardo Guimarães)

Capítulo 2 – O cheiro do oceano

12 anos depois, ilha de Stradbroke, Austrália.

Eric tinha 10 anos quando encontrou seu anjo da guarda. Ele estava em uma viagem de férias com seus pais. Marina tinha apenas sete anos e olhava tudo com aqueles grandes olhos azuis dela.

Ele lembrava bem daquele verão, quando eles saíram da fria e cinzenta Londres e foram para ensolarada e agitada Austrália. Eric nunca havia visto tantas cores na vida. Os animais exóticos o fascinaram de imediato, mas Marina havia amado mesmo o mar. Eric lembrava de sua mãe rindo disso, de como ela fazia jus ao nome que havia ganhado. 

Marina amava tanto o mar que quando chegaram à ilha do resort, apesar do alerta do seu pai, ela não queria sair da água. Eric tinha sempre que ficar de olho na irmã. Marina sempre havia sido sua responsabilidade e prioridade, seus pais sempre haviam deixado isso bem claro.

Naquele dia, ele relaxou. Tudo aconteceu por um descuido seu, quando a perdeu de vista por apenas alguns minutos. Ela se aproximou demais da amurada da balsa que atravessava para a ilha norte. Eric ainda lembrava do barulho agourento do corpo da irmã caindo no mar agitando. Do grito dela. Ele não havia pensado antes de pular atrás, mas foram segundos para perceber que não conseguia lutar contra a correnteza. 

Eventualmente ele alcançou a irmã, mas os dois estavam sendo arrastados. Nenhum adulto havia visto, ninguém os ouvia a medida que a água os afastava do barco. Ele havia tentado manter Marina fora da água o tempo todo, então logo ficou exausto. O barco já estava longe demais e ele estava afundando.

E foi de dentro da água agitada que viu os olhos da criatura, borrados pelo mar e o fitando curiosos. Os cabelos vermelhos pareciam dançar vivos ao redor do rosto, de modo irreal. Eric sentiu um braço pequeno o agarrando e por um momento entrou em desespero pensando que estava sendo arrastado para o fundo. 

Mas não foi isso que aconteceu. 

Foi como se a água ao redor o estivesse empurrando para cima. Eric estava tão exausto. Quando conseguiu respirar ouviu os gritos da irmã o chamando, mas já não conseguia se manter acordado.

Quando voltou a si, sentia a areia em suas costas,  junto com a vegetação rasteira. Piscou os olhos e viu dois pares de olhos infantis o fitando. Primeiro os azuis chorosos de Marina, o que fez seu peito ficar leve de alivio. E o outro par era de um verde que mais parecia um caleidoscópio de cores, as cores do mar. Porém, havia algo de errado neles, algo diferente, que os fazia não parecer humanos.

Em um piscar de olhos, com o barulho da aproximação dos adultos, ele havia sumido. Apenas restou o barulho da água. Como um sonho.

Eric deu um leve sorriso ao lembrar disso, como não fazia há anos. Por muito tempo ele se perguntou se realmente havia acontecido. Na época ninguém acreditou nos dois, ainda mais quando sua irmãzinha disse que o menino que os salvara tinha uma cauda. Para todos, Eric foi o herói, que pulou na água e salvou a irmã. E talvez tenha sido. Mas aqueles olhos o caçavam em seus sonhos quase todas as noites.

E agora ele voltava para aquela ilha, depois de 12 anos. Seus pais nunca mais quiseram voltar lá depois do que aconteceu e depois da morte deles Eric estivera muito ocupado cuidando de tudo que lhe fora deixado e de Marina.

Seu sorriso morreu e suspirou, acendendo um cigarro e olhando para a ilha que se aproximava. Havia poucos passageiros na balsa. Era inverno. O ano 1992. Fazia seis meses que Marina havia morrido, o deixando completamente sozinho.

O chamado do oceanoOnde histórias criam vida. Descubra agora