O som do Oceano

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Nasci no seio das vagas,

Numa gruta de cristal;

Em colunas de coral

O meu berço se embalou.

Ondas, levai-me convosco,

Que eu desta terra não sou.

(A sereia e o pescador, Bernardo Guimarães)

Capitulo 3 – O som do oceano

Eric espirrou, enrolado em um manta. A tempestade lá fora batia forte na estrutura da casa, balançando janelas e o levando a pensar que a qualquer momento a estrutura não aguentaria.

A luz do lampião tremeluzia, mesmo que estivesse protegido contra o forte vento lá dentro. Ao menos assim ele esperava.

Eric sentia seu rosto quente. Não pelo possível resfriado que teria obtido ao nadar, forçosamente, na água gelada no fim de tarde, mas sim por se sentir tão atentamente observado por aqueles grandes olhos cor do mar. Aquele garoto com certeza era estranho.

Levantou o olhar de onde estava sentado perto da lareira no sofá e encontrou o do sujeito sentado no chão de tapete, abraçando os joelhos e o fitando curioso.

Ao notar que havia sido pego espiando ele não se intimidou, apenas sorriu. Um sorriso, notou, inocente demais para alguém daquela idade.

Tinha certeza que o pai dele havia dito que ele tinha 18 ou coisa assim. Sua aparência física também indicava alguém no fim da adolescência.
Já seu comportamento, Eric nem sabia por onde começar.

Ergueu uma sobrancelha e o outro ergueu a outra, o imitando.

"O que foi?" Perguntou exasperado.

O garoto não havia falado nada em sua presença ainda. Nem mesmo havia pedido desculpas por ter quebrado sua máquina de escrever e o jogado no mar. O que era bem rude.

Espirrou novamente e ele lhe estendeu outra caixa de lenços, um sorriso culpado no rosto. Eric franziu a testa em mau-humor.

O cabelo dele parecia dançar ao redor do rosto pálido, de um tom de vermelho tão vivo que não parecia natural. Ele tinha um sorriso doce e calmo, mas os olhos eram o oposto disso. Eric só conseguia pensar em uma tormenta, uma tempestade no mar, sem cor definida, mas com tanta vida que pareciam zombar dos seus, tão mortos em comparação.

E mais que tudo, eles eram familiares.
Eric se pegou encarando novamente, até desviar os olhos, piscando.

O que diabos é isso?

"Então...você é filho do capitão."

O garoto assentiu, sentando com as pernas cruzados e o olhando como se Eric fosse um objeto estranho que necessitava de análise minuciosa.

"E seu nome é Ariel."

Outro balançar de cabeça empolgado.

"Pensei que esse fosse um nome feminino." Comentou em falsa seriedade e o outro o olhou de forma ofendida. Eric teve vontade de rir, algo que não fazia com frequência nos últimos meses.

As sobrancelhas ruivas se uniram de forma engraçada, a boca contorcida para um lado, em uma expressão que tinha a intenção de ser ameaçadora, mas na verdade era ridícula. E era tão parecida com a expressão de Marina quando a irritava que seu sorriso morreu na mesma hora. 

"Desculpe."

Ele não estava sendo nenhum pouco sincero e o outro franziu o narizinho, o olhando de maneira desconfiada. As expressões dele eram tão vivas e evidentes, que Eric se perguntava como ele havia sobrevivido no mundo até aquele momento. Pessoas inocentes e abertas assim não existiam mais naquela idade. Era impossível.

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