O filho do Oceano

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"Semelhante a Algum Monstro, Quando Dorme

- O Mar... Era sombrio, Vasto, Enorme...

- Arfando Demorado,

- Imenso sob os Céus!"

Ângelo de Lima, in 'Antologia Poética'

Capítulo 14 -  O filho do oceano

Eles tinham que esperar o anoitecer, para não serem vistos.  Se Max fosse realmente sincero, ele só queria passar o aniversário de Ariel com ele, o último dos dois, mesmo que nenhum deles estivesse realmente no ânimo para comemorar nada. 

Depois desse dia, ele provavelmente não veria mais seu filho.

Max esperou Sam aparecer durante o dia e não sabia ao certo se sentia-se melhor ou pior por ele não ter dado sinal. Sabia que ele tentaria impedir algo que não poderia ser impedido. Não era tolo, os sinais estavam todos lá a dias. Ariel estava...sucumbindo. Se o mandar embora o salvaria, que assim fosse.

Porém, não sem antes saber, em primeiro lugar, a razão por ele ter vindo parar em seus cuidados. Qual perigo extremo que o levou aquele dia ali, uma criança sozinha na sua rede de pesca?

 Havia relutância clara no rosto da mulher, Attina. Talvez fosse a forma como Ariel estava praticamente encolhido ao seu lado na cama, as mãos segurando seu braço firmemente, que a fez finalmente falar. Ela estava lhe tirando tudo. Depois desse dia, alguma história seria espalhada na ilha, de Ariel ter ido nadar no mar e ter sido levado pela correnteza. O corpo nunca seria encontrado. Somente  ele e Sam, provavelmente, saberiam a verdade. E tudo o que restariam seria um quarto vazio e fantasmas quando chegasse ao porto. 

Queria ter a certeza que aquilo tudo seria por um motivo real, não que Ariel acabaria morto lá embaixo também, da mesma forma, pelo o que entendera, de todo o restante da família dos dois.

Ela o devia pelo menos isso.

"Foi um conflito interno anos atrás, nosso pai era o rei que todos sabiam e apesar de dar a resposta final em como vivíamos, nas leis, ele também respondia à outros. Ele acabou acreditando nas pessoas erradas. Na época eu não entendi bem o que havia acontecido. Nossa mãe apareceu de repente. Éramos sete, seis mulheres e Ariel, o mais novo. Fomos levadas de nossos quartos e ela apenas nos mandou nadar e fugir. Alguns amigos nos ajudaram. Eu era a mais velha, ela me mandou cuidar dos outros e acabou ficando para trás para ajudar nosso pai. Eu não entendia, mas fiz o que ela me mandou. Fugimos, nos escondemos. Ela não voltou."

Os olhos dela estavam nos seus, mas pareciam olhar mais longe. Ariel tinha a mesma expressão. Max se perguntou se ele lembrava de algo. Não conseguia nem mesmo imaginar.

"Eu era apenas o que você humanos chamariam de criança." Ela continuou, menos hesitante. "Nunca havia saído de perto dos meus pais. Quando foram atrás da gente, em três ciclos haviam nos achado. Mandaram...monstros. Allana e Aquata foram arrastadas para as profundezas, os gritos delas...os gritos delas eu não vou esquecer. Foi quando eu percebi que não era uma missão de captura, eles estavam apenas nos exterminando, nos executando a mando de alguém. Matando os herdeiros. Haviam traído o rei. Eles...destroçaram Arista logo depois."

 Attina colocou as mãos no rosto, a voz trêmula. 

"Andrina foi logo depois, eu não conseguia fazer nada! Os gritos delas..."

Tocou no ombro que tremia levemente e ela pareceu acordar de um torpor, os olhos foram para Ariel.

"Logo...logo eram só Adella, Ariel e eu. Eu estava o segurando o tempo todo."  A mulher olhou para as próprias mãos, o olhar distante. "Sabia que não tínhamos chance alguma de lutar, mas ao menos se os dois tivessem uma chance...entreguei Ariel a Adella, os mandei fugir. Só para ver segundos depois eles arrancarem Ariel dela. E então...espuma no mar e tanto sangue...Havia tanto sangue, eu apenas pensei...naquele momento que estava sozinha." Ela balançou a cabeça. "No fim, só havia restado sangue na água. Eles não me executaram ali, queriam fazer algo público, eu era a herdeira para eles. Eles achavam que eu era por ser a mais velha."

O chamado do oceanoOnde histórias criam vida. Descubra agora