O vento do Oceano

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Longa noite ao luar,

Esperando o mistério...

À beira-mar, fiquei a olhar,

Ouvi... O som do Saltério...

(O canto da Sereia, por Franck P_LavD)

Capítulo 5 – O vento do oceano

Sam era um homem moreno, dos seus cinquenta anos e guia turístico da ilha. De acordo com ele, também um faz-tudo local. Era também ele quem pegava suprimentos no continente para quem não queria sair da ilha, abastecendo o comércio.

O ajudante dele era um garoto de 11 anos, loiro e um tanto animado, que todos pareciam chamar de Linguado. Eric resolveu não perguntar sobre isso. Pelo que pudera notar quando esteve na cozinha naquela manhã, Ariel parecia ser o sol, a lua e as estrelas do menino. Ele assistia a conversa com gestos de Ariel com o rosto corado, mestre em entender tudo o que o outro dizia. 

Segundo Max, Linguado por vezes entendia Ariel melhor do que ele mesmo. Quando não estava com Sam, que praticamente criava o garoto com o pai  dele sempre no continente, Linguado estava seguindo Ariel por ai, deixando os moradores de cabelo em pé. Desde que entrara no carro com Sam e o menino, para verem as casas na ilha, Linguado não havia calado a boca e tudo em que falara era em Ariel. Sam apenas sorria, revirando os olhos, como se aquilo fosse algo muito comum. 

No decorrer do dia, onde paravam, todos pareciam já saber tudo sobre a vida de Eric e do que havia acontecido. Cada um tinha uma história para contar sobre Ariel e algum acidente parecido. Incluindo quando ele e Linguado afundaram um barco, Eric achou essa história particularmente interessante.

Ele é mesmo um desastre.

Não foi complicado à Eric entender aquela dinâmica. Todas as pessoas que viviam ao redor do porto, pareciam apenas serem loucos pelo filho do capitão Max.

"Ele é um bom garoto." Sam falou, descendo do jipe. "Um tanto atrapalhado e sonhador, mas todos os gênios são assim não é não? Estou dizendo, o menino ainda vai fazer algo grande. Isso aqui?" Ele apontou ao redor.  "Isso tudo aqui é pequeno para alguém assim. O mundo dele vai ser fora dessa ilha."

Os olhos de Linguado se arregalaram. 

"Ariel vai embora? Capitão Max nunca deixaria."

O homem riu, colocando a mão na cabeça do garoto, que parecia de repente mal-humorado.

"Ariel é como o mar, Linguado." O homem pegou as chaves no bolso. "Não se consegue prender o mar em um aquário."

....................................

A casa era pequena. A sala e a cozinha eram um cômodo só e o banheiro não possuía chuveiro, ele teria que puxar a água de um sistema de bomba que ficava nos fundos da casa. Os cômodos não possuíam portas, mas eram divididos por cortinas de miçangas. A estrutura, no entanto, era bem trabalhada, resistente, segundo Sam devido as ventanias, comuns na região.

Havia uma varanda na frente e ficava perto da parte mais distante da praia, ele apenas desceria um duna e estaria na enseada. Havia uma lareira, desativada, apenas para o caso de uma queda de energia como na noite anterior. 

Ao contrário do que pensara, Eric havia gostado do lugar. Até mesmo da pintura vermelha descascada da porta da frente.

"A maresia acaba danificado os eletrodomésticos, mas a geladeira ainda funciona." O homem falou abrindo as janelas da casa. "Max disse que você não sabe quanto tempo vai ficar?"

Afirmou de forma ausente, os olhos fixos na paisagem além da janela. Podia ver dali a encosta ao longe, afastado o bastante do barulho do porto, mas perto o bastante para ver o mar de cores das velas. Também tinha uma visão boa do  farol.  No geral, era uma ótima localização para alguém que queria ter um pouco de paz e inspiração.

Eric sentia essa paz, mas ao mesmo tempo uma urgência estranha o tomou, como um pressentimento repentino. Aquele lugar o chamava e o repelia ao mesmo tempo. Sentia vontade de ficar, de experimentar mais dessa paz quase embriagante, mas também queria  pegar suas coisas e voltar para Inglaterra, esquecer que um dia foi ali.

Naquele momento, com uma clareza desconcertante, Eric percebeu que tinha a sensação de que se ficasse ali, por alguma razão ou outra, ele nunca sairia daquela ilha. 

Seus pensamentos calaram-se quando observou um ponto colorido na encosta ao longe, correndo pelas pedras em direção ao farol. Mesmo daquela distância podia ver os cabelos vermelhos voando pelo rosto. Como que observado, mesmo à distância, o rosto pálido virou em sua direção. Eric não sabia se imaginava coisas quando sentiu os olhos presos aos seus. Não havia nada daquela inocência de antes. Havia algo antigo, algo misterioso, algo afiado e perigoso naqueles olhos.

Quem é você de verdade?

Estranhamento, o que lhe veio a mente naqueles segundos, foi a voz de sua mãe lhe contando sobre o conto de Perséfone,  a deusa presa ao submundo após comer da romã,  a fruta proibida que lhe condenou a viver no submundo ao lado de Hades.

"...Ficar?"

Piscou os olhos e  quebrou o contato visual. De repente ele não estava mais lá, os cabelos vermelhos sumindo dentro do farol. Eric virou para Sam, que o olhava  intrigado.

" Perdão. O que perguntou?"

"Perguntei se gostou do lugar, se vai ficar."

Olhou para a janela novamente, para a enseada e o farol. Aqueles olhos, mesmo fora de vista, ainda os sentia. 

Eric deveria pegar suas coisas e ir embora, ele não sabia o que havia ido fazer naquela ilha, ele não gostava da sensação que ela lhe trazia. Havia algo de errado ali, naquela urgência e naquela paz estranha.

"Irei sim, obrigado."

Se comer da romã, ficará ao meu lado para sempre.

O chamado do oceanoOnde histórias criam vida. Descubra agora