Capítulo I- Refúgio

527 69 118
                                    


Inglaterra, 1865



Era uma manhã de inverno, época outrora tão querida por Katherine, que sofria não por causa da baixa temperatura e sim por algo muito mais sério. Sentia uma grande angústia, causada pela dor das lembranças do passado, consideradas por ela impossíveis de esquecer ou superar. Ela não podia entender o porquê de tudo que havia acontecido...



Desde criança fora ensinada a acreditar que havia um Ser Superior, um Deus Criador e Todo Poderoso que comandava todo o universo mas ela não conseguia imaginar os motivos reais por trás da enorme tragédia que assolara sua família. Sua mãe dizia que as coisas ruins aconteciam para ensinar às pessoas alguma lição ou mesmo para trazer a valorização das coisas boas, que as bênçãos divinas recaíam sobre todos e de um modo especial sobre aqueles que respeitavam a Deus. Dizia ainda que o Senhor do universo cuidava de todas as suas criaturas desde as maiores até as menores como as formigas e que Ele nutria um apreço singular pelo ser humano, tanto que foi capaz do maior de todos os sacrifícios que já se ouviu falar...doar a vida de seu único filho pela salvação da humanidade, sem dúvida fora a maior prova do Seu amor. A mente dela procurava algo que ela ou seus pais tivessem feito para desagradar a vontade divina, sem sucesso. A razão humana é muito falha para alcançar os mistérios que cercam a vida e o universo.

Ela gostaria de ser forte, corajosa...porém essa tarefa estava acima de sua capacidade. Recordava-se de um trecho das Escrituras Sagradas que dizia: " Das profundezas clamo a Ti, Senhor. Escuta, Senhor, a minha voz, estejam alertas os Teus ouvidos às minhas súplicas." Katherine sabia perfeitamente o que o salmista queria expressar ao escrever essas palavras, era dessa forma que ela se sentia em grande parte de seus dias, senão em todos eles.

Enquanto ela caminhava lentamente sentia a areia sob seus pés descalços e entre os dedos numa fricção suave, ouvia o som das ondas e sentia a brisa marinha juntamente com as carícias do vento em sua face, por estar tão próxima à água as ondas vinham e tocavam seus pés fazendo-a desejar mergulhar apesar de estar um tanto frio para isso. Esse era seu ritual, em seus dias bons, antes mesmo de amanhecer ela punha-se a caminho daquele que era seu lugar favorito.. Onde sentia-se estranhamente em casa, confortável, sozinha mas jamais solitária...Sentia o frescor da água e pensava em sua vida, na verdade pensava no que ela fora um dia, parecia que já fazia uma eternidade. Guardava na memória as lembranças vivas como se as tivesse vivido no dia anterior. Recordações de um tempo feliz em que ela não estava sozinha, quando suas maiores preocupações eram obedecer e agradar seus pais, aprender as regras de etiqueta, escolher o vestido mais bonito e adequado para usar...sempre contando com a ajuda de sua mãe. Sua mãe era linda e carinhosa, bem como seu pai, ambos sempre a amaram muito e faziam tudo por ela. Lembrar do que houve com eles fazia-a sofrer imensamente. Por mais que já tivesse decorrido anos ela ainda sentia uma dor profunda em relação a todos os acontecimentos que lhe causavam um mal estar imenso.


Ela acreditava que jamais seria capaz de superar toda aquela dor, não gostava de imaginar seu futuro sequer pensava que teria um... Sentia-se arrasada, sem rumo, sem possibilidade de seguir em frente ou mesmo planejar algo. Algumas vezes dia ou noite eram-lhe indiferentes, manhã, tarde, dias, semanas, meses...o tempo passava sem que alterasse em nada a sua rotina ou suas decisões. Vivia apenas de instantes, pequenos momentos como este diante das ondas do mar em que ela sentia um mínimo contentamento em fazer algo que a deixava quase feliz por milésimos de segundos...

Ao voltar de suas reminiscências sentiu o sol aquecendo sua pele e soube que era hora de retornar à casa. Esta localizada no alto de uma encosta com vista para o mar, fora comprada por seu pai quando ela ainda era muito pequena, ele a havia escolhido por causa da localização, dizia que dava para ver o mundo inteiro lá de cima. Naqueles tempos ela bebia suas palavras, tudo que o pai falava era fascinante e o que havia de mais verdadeiro para ela. Agora ela sabia que se tratara apenas de uma brincadeira. Lembrava-se de pedir ao pai para ver o mundo lá do alto, deles trilharem o caminho de pedras até praia e dele a ensinar a nadar.

Além do que os Olhos Podem Ver...A Luz do teu olharOnde histórias criam vida. Descubra agora