Capítulo XII - Pequena grande conquista

61 15 8
                                    

Havia uma sombra de expectativa e de apreensão em volta de Kate. Talvez ocasionada pelo retorno inesperado ao lugar onde ela vivera alguns dos momentos mais significativos e inesperados de toda a sua vida. E onde ela não imaginou que voltaria algum dia. Não sem uma razão que a obrigasse e esse momento havia chegado.

O ar da cidade lembrava a tempos felizes e tristes. As recordações dos pais, dos sorrisos, das antigas amizades, das vivências passadas. Momentos marcantes, muitos dos quais ela preferiria poder esquecer ou poder voltar no tempo e mudar os fatos ocorridos.

Infelizmente isto era impossível, não se podia mudar o que já passou. Apesar disso ela seguia desejando com todas as as suas forças poder acordar do estranho pesadelo no qual sua vida havia se tornado e ter os pais junto a si e ver seus rostos sorrindo.

A vida agora era uma sucessão de percalços. Ela sentia-se como se tivesse que lutar contra o mundo inteiro. Se via quase sempre na defensiva aguardando uma ofensa, um comentário desagradável, sussurros ao longe como se ela não fosse capaz de escutar cada palavra.

As coisas que antes ela poderia fazer conforme sua vontade  que  a deixavam cheia de alegria agora se ficaram difíceis até mesmo de imaginar.

Andar pelo Hyde Park, visitar um museu ou assistir a uma peça de teatro eram alguns dentre vários itens impossíveis de fazer novamente. Não somente pelas impossibilidades físicas como também pela exposição desnecessária aos julgamentos, comentários e zombarias de pessoas que fingiam ter compaixão. Mas que quase sempre a consideravam uma inútil.

Muitas foram a vezes em que ouvira frases lamentando tanta beleza desperdiçada com uma moça que dependeria da ajuda de outros pelo resto da vida...

Ela odiava pensar que seria um estorvo, um inconveniente para as pessoas de sua convivência, por isso fazia muito esforço para ser independente e fazer tudo que pudesse com as próprias mãos. Seus outros sentidos e um instinto natural de preservação fez com que ela conseguisse detectar alterações e mudanças nas pessoas que sequer elas mesmas se davam conta. Kate conseguia saber quando Mary estava preocupada, chateada ou feliz com a mesma facilidade com que percebia as variações climáticas.

Joseph brincava dizendo que ela era capaz de sentir o cheiro de chuva a quilômetros de distância ou de ouvir o som dos trovões antes mesmo deles ressoarem. Era uma diversão quando eles competiam para saber quem acertaria quando cairia a neve ou quando choveria. Kate sempre ganhava!

Existiam poucas pessoas cujas opiniões Kate respeitava e as quais as presenças tornaram-se indispensáveis. O pequeno círculo de amizades sinceras e amor genuíno eram de valor inestimável.

Mesmo em meio a enorme angústia e frustração ela sentia por ínfimos momentos que poderia ser algo mais além de uma pobre cega, inválida e incapaz. Mary, Joseph, Thomas e Alec faziam-na sentir melhor, aceita e querida.

Com eles, ela sentia-se alguém especial, uma pessoa normal, completa, livre para se expressar e acima de tudo, amada. Na companhia deles ela deixava de ser apenas uma pessoa deficiente, a quem faltava uma parte que a impedia de ser um ser humano como todos os outros.

Ela guardava consigo a certeza de que precisava continuar vivendo mesmo que fosse por gratidão e em honra ao sacrifício feito por seus pais. Em memória deles Kate seria forte. Seguiria sua vida, seu destino por mais que este fosse assustador. Enquanto estivesse com Mary e Joseph ela se sentia segura. Contudo sabia que eles já estavam com certa idade. Algum dia ela ficaria sozinha. Era esse um dos maiores temores da garota. Estar sozinha!

E agora havia Alec, um amigo que aos poucos se tornara tão importante. Ele ganhara sua confiança e afeição e sem perceber Kate lhe cedera lugar, um lugar em seu coração. Ele era o homem que surpreendentemente lhe salvara a vida e acabou por tornar-se imprescindível.

Além do que os Olhos Podem Ver...A Luz do teu olharOnde histórias criam vida. Descubra agora