F R A N C E S.
Nenhum final é poético.
É o que dizem por aí: aquele sangue nunca foi bonito, só era vermelho. As coisas ruins não acabam romanticamente ou algo assim, elas só acabam e as vezes isso é bom. A falta de beleza, a normalidade, nos permitem esquecer algo mais facilmente e as vezes isso é tudo que precisamos.
Minha mudança para o sítio aconteceu depois de uma avalanche de coisas ruins, mas terminar tudo com Clay e colocar o fim em palavras foi algo simples e até esquecível. Eu já quase não lembrava o que tinha dito quando me contaram que teria de voltar pra cá, pro meio do furacão, a tão temida cidade.
No carro me mandaram olhar para o céu. Pediram para aproveitar a vista, as árvores, mas eu não sabia como fazer isso. Não sabia como enfrentar a vida na cidade de novo, com as pessoas da cidade de novo, todas as dores da cidade de novo e odiei me sentir tão insegura. Porém a noite caiu e tudo que eu conseguia pensar eram nas consequências de me jogar do veículo em movimento; no quanto doeria, no quanto poderia correr até ser alcançada por meu tio e sua raiva. Nada daria certo de verdade e aceitei isso. Fiquei parada, em silêncio, ouvindo toda aquela besteira de "vamos passar por isso", "logo voltamos" e demonstrando o quanto era contra a ideia de deixar para trás tudo que conheci em um ano longe daqui.
O filho não tão pródigo retorna ao lar eu acho e o pior sobre a cidade é o fim da calmaria e a volta das pessoas. Tenho uns amigos aqui, pessoas de quem senti muita falta, mas ter de lidar com elas, de explicar tudo vai ser demais pra minha cabeça.
Cheguei fazem no máximo três ou quatro horas e já até me acostumei com o novo ar, com esses novos sons e iluminação. São três e vinte sete agora, toda a casa está calma; os que não dormiam já estavam sonolentos quando chegamos e meus tios pareciam mortos da viagem como sempre. A rua, no entanto, está no extremo oposto dessa linha: carros ainda passam, adolescentes também e eles vão e vem, parecem sem rumo, sinto uma certa falta de ser assim.
Olhando em volta percebo que desde que parti, meu quarto não foi tocado. Minha mãe não se deu ao trabalho nem de entrar aqui para dizer a verdade. Há plástico bolha por todo o chão, poeira em todos os cantos e eu observo as mesmas rachaduras na parede, as mesmas lascas de tinta. É meu quarto, mas parece um grande buraco vazio que me deixa enjoada, preciso sair desse lugar e não vejo o porquê de adiar o inevitável então levanto, tenho pessoas a encontrar, lugares para ver. Me olho no espelho ainda meio embalado e sinceramente não me sinto suficiente, é engraçado como, nesse lugar, tudo parece simplesmente menor.
Passo delineador e um pouco de blush, as pessoas têm de aprender a se curar sozinhas não é mesmo? Com isso chego a lembrar eu mesma a um ano atrás, só que ainda tenho problemas na roupa, o ar de uma fazenda nos influencia a fazer coisas como usar uma jardineira meio laranja sobre uma blusa verde e pensar em sair assim. No fim das contas mantenho a blusa verde, coloco uma calça preta e ao soltar o cabelo, não só lembro, mas estou igual a eu do ano passado. Pareço com ela, mas não me sinto do mesmo jeito, acho que aquela Frances jamais vai voltar a se recuperar.
Deixo o quarto na ponta dos pés e saio pela porta da frente meio as escondidas - todos ainda tem medo pelo que fiz embora eu já tenha idade suficiente pra me virar no maldito lugar que cresci.
Com os pés na rua vejo que realmente nunca mais serei aquela menina que partiu daqui. A velha Frances nunca sairia de casa sozinha e sem certeza de para onde ir.
Tenho as praças provavelmente desertas, os bares, onde sei que vou encontrar alguns conhecidos, mas não consigo tirar Clay da cabeça e toda maldita vez que penso nele, sinto que vou me apaixonar de novo, sinto que tudo vai me levar a isso. O melhor que ele fez, foi ter se tornado uma memória, só que agora, a algumas quadras dali, ele com certeza está tocando com a nossa antiga banda na nossa antiga garagem que nas noites de sexta, como hoje, se torna o centro de um dos shows mais fajutos e incríveis da história desse lugar.
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MONEY
RomanceA cidade, os perigos, as pessoas dela. A banda. Todos juntos. Seria lindo - um pouco de sangue - mas já é trágico. Dinheiro. Eu te amo. E essa nem é uma história de amor.