C L A Y
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Ainda me sinto estranho com a volta dela. Frances foi por muito tempo a coisa mais importante que eu tinha e agora é só um imã que me impede de fazer o que eu quero.
É tão estranho, ela é a mesma menina, com os mesmos olhos castanhos e o mesmo corpo magro, mas mesmo assim, nunca esteve tão diferente. Se eu não fosse tão atraído para ela, talvez tivesse fugido mais cedo da garagem no dia em que voltou. Talvez eu não teria ouvido toda aquela merda sobre minha família e talvez não tivesse lembrado do quão precária é minha situação e talvez, mas só talvez mesmo, meu rosto não estivesse esse caos.
Me encaro por tanto tempo no espelho que começo a me perguntar se é possível entrar em si mesmo, acho que a intensidade é o segredo.
Minha namorada viajou no dia em que resolvi contar tudo para o pessoal e me sinto vazio desde então - não que antes fosse melhor de algum maneira, não era, mas pelo menos eu tinha alguém quando queria brincar de vida não totalmente destruída, agora tenho que fingir sozinho.
Já arrumei o apartamento dela, afinal estou morando aqui, é o mínimo que da pra fazer. Há uma foto nossa sobre uma estante e me pego observando a mesma por vezes. Gosto tanto dessa menina, tipo muito mesmo, só que é melhor que tenha ido, ela não precisa ter que lidar com esse bolo de problemas. Aquele Clay do colegial jamais diria que só um ano depois do fim da escola ele acabaria desse jeito, sinto falta daquele garoto.
Outra coisa que sinto falta é da banda, dos garotos, só que mais ainda da sensação de subir em um palco e ser o centro das atenções por três ou quatro minutos completos, as luzes brilhando no rosto, o suor descendo pelo corpo, a emoção, as pessoas, tudo. É aquilo: a arte deveria confortar os conturbados e conturbar os confortados. Uma das últimas músicas que cantei foi do Tame Impala e ela não tinha tanto sentido na hora, realmente parece que eu só ando para trás enquanto todo o meu corpo me manda seguir em frente agora.
No atual momento já estou na minha terceira lata de cerveja, no quarto cigarro e não são nem nove da manhã. Só quero parar de pensar na Frances e em tudo aquilo que a gente teve. Amava essa menina antes, até que ela partiu. Me forcei a mudar, a esquecer todo e cada resquício dela só que nada é tão simples assim. Só quero saber o por quê de não conseguir odiá-la por um segundo sequer. Preciso de uma coisa mais forte.
Paro um pouco antes de abrir o vinho e penso na dona dele.
Eu, eu, eu, eu, isso era tudo em que eu pensava. Quero voltar a ser o narcisista idiota que esse ano e a ida da Frances moldou, mas acho que ele já era. Tudo costumava doer menos com ele aqui.
Pego a garrafa de vinho e me encosto denovo, está muito calor aqui, isso não é normal. Penso na minha situação. Ao sair da casa dos garotos no dia da briga eu só queria gritar, gritar que eu estava literalmente fodido e que eles não foram capazes nem de ligar pra isso, mas agora sinto vergonha por ter contado, por ter feito tanto drama, não adianta nada. O prazo acaba em pouco tempo e fim. Menos uma pessoa desperdiçando o oxigênio do mundo. Não nego que já pensei em fugir, eu não sei, pegar o carro do imprestável do meu tio e ir embora. Seria inútil. Viver uma vida de merda sozinho e com medo em um lugar qualquer. Morrer parece mais aconchegante.
Dou um grande gole na bebida e a deixo descer, o amargo dessa porcaria nunca foi tão bom.
Esses dias o "aconchego" tem sido algo difícil pra mim, eu não sei. Quando você já experimentou o melhor da vida com todo tipo de drogas, ficar "sóbrio" já não é nada interessante, tenho que arrumar alguma coisa ou vou ter uma intoxicação por causa de tanta maconha. Tenho speed na minha jaqueta, mas isso não me faz esquecer nada, só me deixa mais alerta e meio paranóico, não vai ajudar em nada.
Pego o controle da televisão e começo a passar os canais. O aparelho daqui é em preto e branco, nunca entendi o motivo disso. Canais de notícias, desenhos, culinária e entre eles vejo um filme que eu já conheço, mas não lembro o nome, encaro Norton por um certo tempo até que... Clube da luta, é isso, o maldito filme preferido de Frances - ela gostava de beber vendo esse filme, e a menina tem que estar até aqui. Admito que Edward fez um trabalho incrível nessa porcaria e penso no conceito dele, acho que desde que se tornou cult as pessoas pensam demais, isso só me ensinou a buscar problemas piores que os meus pra se sentir melhor com a minha própria vida, doloroso, mas uma boa escolha até - é melhor do que drogas com certeza.
Então troco de canal, volto pros desenhos, eles são mais confortáveis que o filme de Frances... de Frances, agora ela fez um maldito filme e eu não estou sabendo.
Está passando Billy e Mandy, sempre gostei dessa coisa, me faz rir, mas nunca entendi nada e nem esse dilêma interno tira minha cabeça da minha Frances. Minha. Isso é ridículo, ela nunca pertenceu a ninguém além de si mesma.
Quero tanto ligar pra ela agora. Perdi as contas das vezes que peguei o celular com essa intenção, isso não deve ser saudável. Não consegui nenhuma vez e agradeço por isso, acho que ainda estou com raiva e não sei se isso vai passar, sinceramente espero que não. Frances acabou comigo - ou foi eu quem acabou com ela, não da pra saber - só quero manter distância disso tudo. Naquele tempo achava que nós dois lutaríamos juntos contra o maldito mundo, só que agora penso que amei sozinho e amei demais.
- Que seja - reclamo pra mim mesmo. Acho que vou enlouquecer dentro desse buraco.
Bebo o que tinha sobrado na garrafa de vinho, não percebi que já estava acabando e também não me sinto nem um pouco diferente. Cheguei aqui às seis depois de uma noite meio louca, dormi umas duas horas, nem tirei a roupa, bebi uma maldita garrafa de vinho que já estava pela metade e nada, só consigo pensar nas mesmas coisas e isso já está me sufocando.
Caminho até a janela, o chão daqui sempre é meio frio e a madeira que espalha seu cheiro no cômodo também range, eu estou realmente reclamando dessa hospedagem grátis que consegui. Abro as cortinas e não é bem como esperava, sem brisa, sem muita luz, apenas um sol abafado, que deixa tudo intenso demais.
Olho lá fora, a vizinhança é horrível, a rua meio suja e não há ninguém nela pra trazer um pouco de vida. Isso me faz pensar em mim, na minha morte eminete e sem escapatória, nunca me senti tão impotente na vida, pensei que após três meses, já teria me acostumado, mas ainda tenho medo, muito medo. Odeio ser tão inútil e inseguro, faz tempo que não sinto essas coisas e não tenho ideia de como escapar delas.
De maneira alguma vou deixar aquele pessoal arriscar a liberdade e até a vida por uma merda qur eu fiz. Mesmo que quisesse, não conseguiria. Andy é sensível demais para uma cadeia, mesmo que por pouco tempo, Frances então... É melhor não pensar nisso. Acho que a única escapatória é me sentar e aceitar, já que nem pra me matar eu consigo servir.
Olho meu pulso quando isso passa pela minha cabeça, a cicatriz é relativamente velha, da primeira semana dos meus últimos seis meses. Acho que já estive pior do que agora, não sei se teria coragem pra isso nesse momento. Aí está a maldita lógica usada pelo Narrador e Helena Bohan Carter - cuja a personagem eu não tenho ideia do nome - no filme, pensar em alguém com mais problemas que você. Não posso negar que parece ter menos efeito quando você mesmo é a pessoa com mais problemas.
Estou sentindo demais. Tenho muito medo disso, nunca fui assim e acho que preciso sair daqui.
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MONEY
RomanceA cidade, os perigos, as pessoas dela. A banda. Todos juntos. Seria lindo - um pouco de sangue - mas já é trágico. Dinheiro. Eu te amo. E essa nem é uma história de amor.