Capítulo 1

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Londres, 1826.

Não é que Melissa não gostasse de bailes. Ela costumava amar eles em sua primeira temporada, mas isso já foi há quase dez anos, quando ela era a bela do baile, recebendo pedidos de casamento de quase todo nobre solteiro em Londres. Porém, naquela época, ela ainda era muito jovem, sonhava em ter um casamento por amor, um romance digno de Jane Austen, mas não podia realmente ser julgada pelos pedidos de casamento que rejeitou. Sim, um deles era de um Duque e outros dois eram de marqueses, mas estavam apenas interessados em seu dote ou eram velhos o suficiente para serem seu avô. Teve um garoto, um barão, dois anos mais novo por quem ela pensou se apaixonar e até considerou o casamento, mas a mãe cortou qualquer interação entre os dois ao descobrir que a família dele estava falida. Pelo motivo que fosse, Melissa ainda não estava casada. E detestava isso.
Era a primeira temporada da irmã mais nova e Corine já havia recebido dois pedidos. Estava noiva. Sim, um deles foi de um caçador de dotes, mas o outro...até um cego poderia reconhecer que ela e Langford estavam apaixonados. E por mais que estivesse feliz pela irmã, Melissa não podia evitar sentir-se com um pouquinho de inveja. Aquela era a vida que ela queria ter tido aos dezoito anos de idade. Se neste momento ela recebesse um pedido de casamento, provavelmente aceitaria sem pensar. Talvez fosse se arrepender depois? Talvez, mas qualquer coisa seria melhor do que os olhares de pena que as senhoras lançavam para ela, sentada junto às outras solteironas.
Sem aguentar mais ser motivo de pena, Melissa levantou-se e aproveitou a distração de uma nova valsa para escapar aos jardins. A residência do Conde de Valbury abrigava um dos maiores jardins no interior de Londres, conhecido por seus vários escândalos. Casais que escapavam para um momento de paixão numa noite e acabavam no altar no dia seguinte por terem sido pegos, juras de amor trocadas entre mulheres casadas e seus amantes sem que seus maridos ausentes jamais desconfiassem. Aquele jardim era, sem dúvida, fonte de vários causos, e graças ao tempo que passava na cozinha ouvindo as criadas, Melissa conhecia a maioria deles. E sabia que agora, com a noite apenas começando, a chance de esbarrar com alguém nos jardins era mínima, pensou que de fato estaria sozinha ali fora. Esse foi seu primeiro erro da noite.
Ainda não havia se distanciado muito da casa principal quando ouviu passos por perto. Parou onde estava, tentando ouvir com mais atenção. A última coisa que gostaria seria atrapalhar o momento de alguém, ou pior, cruzar com algum bêbado sem limite de decoro. Se distanciou para as árvores e estava prestes a voltar para o baile quando a voz dele a manteve onde estava.
— Não precisa se esconder, Senhorita. Eu não mordo.

Ele havia acabado de retornar a Londres, após sete meses viajando. Não havia planejado voltar em menos de um ano e meio, talvez dois, mas um Duque nunca pode ficar muito tempo longe sem que suas obrigações o venham chamar de volta. Rannolf nunca foi grande fã da sociedade londrina, sempre que podia passava seu tempo em uma das propriedades do campo. Não que não gostasse da cidade, mas não gostava de ir a bailes lidar com moças desesperadas e mães casamenteiras o perseguindo. Quando podia evitar um baile, ele o fazia, ao menos anteriormente. Essa temporada infelizmente teria que ser diferente.
Já havia se cansado do administrador de suas propriedades o irritando com perguntas sobre quando teria um herdeiro, da governanta perguntando quando iria dar continuidade ao bom nome dos Rasbury, e ainda haviam as ameaças do primo de que fosse tomar posse do ducado caso Rannolf morresse sem deixar um herdeiro. E ele definitivamente não iria deixar o ducado de Hampton passar para os Kinross. Ele havia se atrasado um pouco para o baile, e estava agora prestes a entrar, quando esbarrou com a garota nos jardins. Ainda era cedo na noite para que ela estivesse esperando um amante, e estava muito bem vestida para ser uma criada. Rannolf não costumava se envolver com damas de posição na sociedade, mas se a partir desta noite condenaria o seu futuro procurando uma esposa, poderia muito bem aproveitar um pouco antes.
— Não estava me escondendo. — Ela automaticamente ficou na defensiva, mesmo que não quisesse aparentar. — Estava apenas passeando pelo jardim.
— É mesmo? — Ele ergueu uma sobrancelha. — Uma dama passeando sozinha pelo jardim? Não estava esperando alguém? Quem sabe um amante? — Não faria mal perguntar, quem sabe até irritá-la um pouco.
— Um amante?! — A ideia pareceu a revoltar. — Quem pensa que eu sou?
— Sinceramente? Não faço ideia. Mas sei que é bonita e está sozinha nos jardins de um baile. Se não está esperando um amante, poderia estar em busca de um.
A boca dele se curvou num meio sorriso. Era claro como o sol que ela não tinha nenhum amante à sua espera, mas ele estava se divertindo em provoca-la. A garota era uma boa quantia mais baixa que ele, com um vestido em um tom de creme, o cabelo em um tom claro difícil de distinguir na pouca luz dos lampiões. Mas os olhos eram extremamente nítidos, num tom claro de verde azulado que ele havia visto pouquíssimas vezes na vida. O queixo era um pouco quadrado, e tinha lábios em forma de coração. E ele pensou em testar aqueles lábios nos dele.
— Pois saiba que não, eu não estou em busca de amante nenhum. Muito pelo contrário, estou em busca de um marido. — Ela ergueu o queixo, de forma orgulhosa, e ele riu, dando um passo a frente.
— Em busca de um marido aqui fora, nos jardins? Posso ter passado algum tempo fora de Londres, mas suponho que candidatos ao casamento ainda sejam encontrados no salão de baile, não?
— Sim, é claro, eu apenas...
— Então não era um marido que estava procurando aqui fora. — O meio sorriso dele aumentou diante da expressão que ela fez. Essa garota, quem quer que seja, era divertida de se irritar, ainda mais levando em conta o quão facilmente parecia ficar irritada.
— Não, não estava procurando um marido aqui fora. Estava caminhando, tomando um pouco de ar fresco.
— Não havia ar fresco na varanda? — Ele ergueu uma sobrancelha, vendo ela franzir o cenho para ele.
— O senhor sempre irrita damas indefesas em bailes? — Ela rebateu, demonstrando um pouco de atitude.
— Só as que caminham desacompanhadas pelo jardim. — Ele riu, dando um passo a frente, encurtando o espaço entre os dois.
— Aprendi minha lição. Me manterei bem longe dos jardins de agora em diante, obrigada. — Ela deu um passo para trás, pisando na grama.
— Ora, não se prive dos jardins por minha causa. Dez minutos em um jardim podem ser muito mais interessantes que quatro horas em um salão de baile. Talvez mais interessantes até que dez bailes.
— Curiosamente estou aqui há quinze minutos, e tudo que encontrei foi um desconhecido irritante.
— E posso apostar que nosso breve encontro está sendo mais interessante que qualquer conversa que teve lá dentro esta noite.
— O senhor não estava lá dentro para poder saber disso. — Ela o encarou, erguendo o queixo.
— Ah, então concorda que estava entediada?
— Não estou concordando com você...
— Mas também não está discordando. — Ele deu um meio sorriso, dando outro passo na direção dela.
— Não, não estou. — Ela suspirou, desviando o olhar primeiro para as árvores na escuridão, depois para os lampiões no caminho de volta até o baile. — Bem, acho que talvez eu deva voltar para o baile.
— Deve voltar, ou quer voltar?
— Creio que isso não faça diferença.
— Como poderia não fazer? Quando se deve fazer algo, apenas se faz. Mas quando realmente quer algo... é totalmente diferente. — Ele a observou, principalmente aqueles olhos brilhando na escuridão. — Nunca fez algo por desejo, Senhorita?
— Sinto lhe dizer, mas desejo não é algo relevante nas escolhas de uma dama da sociedade.
— Pois deveria ser. A meu ver, deveríamos todos seguir as regras de nossos desejos. Principalmente os mais imprudentes, não acha? Afinal, esses são os que trazem as melhores lembranças. — O olhar dele se fixou nela, como se estivesse sendo puxado. Rannolf não se sentia assim há muito tempo. Se bem se lembrava, nunca havia se sentido tão atraído por uma mulher.
— São também os mais perigosos, principalmente para uma dama. — Ela temia por sua reputação, isso era notável.
— Nunca fez nada arriscado, Senhorita? Nunca sentiu vontade de quebrar alguma regra, experimentar algo proibido?
— Estar aqui já não é quebrar uma regra? — Foi a vez de ela erguer uma sobrancelha, o que o fez sorrir.
— Uma pequena regra. E ainda não me respondeu, senhorita. Deseja voltar ao baile?
— Eu deveria voltar ao baile.
— Mas não deseja isso. — Não foi uma pergunta, mas ela respondeu mesmo assim.
— Não, não desejo.
— E o que deseja, então? — Ele deu um passo na direção dela, fazendo com que as costas dela fossem de encontro à árvore que estava atrás. Estavam tão próximos que ela precisava olhar para cima para não tirar a atenção dos olhos dele. — Se renda ao seu desejo, Senhorita. A escolha é sua. Desejo ou decoro? — Ele não precisava de palavras, apenas de uma confirmação de que ela queria o mesmo. Um movimento com a cabeça foi o suficiente.
E ele a beijou.

Aquele foi o segundo erro da noite. Ela sabia que ele ia fazer isso, é claro que sabia. Melissa não era mais uma adolescente de dezessete anos, sabia o que era um beijo. Mas nunca esperou que fosse ser assim. Ele não era delicado, não era um beijo recatado como os outros que ela havia experimentado antes. Esse era um beijo de verdade, que ela pode sentir do dedo do pé até o último fio de cabelo. Aquele desconhecido não estava apenas tocando os lábios dela, estava a segurando contra a árvore, sua boca pressionando a dela por passagem. E quando ela cedeu, a onda que a tomou foi ainda mais forte.
A língua dele brincou com a dela por um tempo, a explorando, até que ela retomou a si e começou a espelhar os movimentos que ele fazia. Suas mãos foram de forma instintiva ao cabelo dele, um pouco maior que o adequado para a época, o puxando para perto. Ela teve a impressão que morreria se ele parasse, mas ele não parou. A boca se afastou da dela apenas para descer por seu maxilar e pescoço, causando arrepios em lugares que ela nunca imaginou ser capaz de sentir algo. Quando os lábios dele voltaram aos seus, ela estava mais preparada. Ela o beijou de volta por completo, qualquer medo ou receio de que fossem descobertos desaparecendo de sua mente. Aquele era um beijo pelo qual valia a pena se arruinar, um desejo que valia a pena obedecer.
Sabia que não poderiam ficar ali para sempre, mas ainda assim sentiu um choque de frio quando ele se afastou. Parecia cedo demais para dar fim àquela aventura, para voltar a ser apenas Lady Melissa, a filha solteirona e bem-comportada do Duque de Briston. Ela queria continuar sendo a "Senhorita" que é beijada por um desconhecido em uma árvore sem se importar, há apenas alguns metros do salão onde toda a sociedade londrina se encontra. Que Deus a perdoasse, mas naquele momento ela quis muito mais que ser apenas beijada por ele.
— Creio que agora a senhorita esteja pronta para retornar ao baile. — O desconhecido lhe deu um meio sorriso. Ela ainda estava ofegante, suas mãos no peito dele, e mesmo através do tecido que os separava, ela poderia jurar que o coração dele esteva acelerado. Ele tinha olhos castanhos que a fascinaram desde o primeiro instante, além da barba inapropriada que cobria o maxilar quadrado, difícil de se observar no escuro, porém fácil de ser sentida quando os lábios dele estavam em seu pescoço. Nunca havia visto um homem como ele, tão diferente dos que ela conhecia e ainda assim com algo que lhe parecia familiar. Certo.
— Posso concordar com isso. — Não queria ir, mas era melhor se afastar dele antes que cometesse algum erro irreparável. Ela o observou por alguns instantes, enquanto ele a soltava e dava um passo para trás. O meio sorriso dele era ainda mais tentador agora que ela conhecia aqueles lábios.
— Foi um prazer conhecê-la. Quem sabe não nos encontramos em um outro jardim por aí, não é?
— Não vai me dizer seu nome? — Ela queria saber quem ele era. Precisava saber.
— E nem você me dirá o seu, Senhorita. — Ele ergueu uma mão, tocando um cacho do cabelo dela que estava solto do penteado. — Nosso pequeno momento fica mais divertido assim, não acha?
E com isso ele a soltou, andando em direção ao baile como se nada tivesse acontecido. Melissa ainda ficou alguns instantes parada ali, recostada contra aquela árvore, o coração aos poucos recuperando o ritmo. Então era isso que ela havia perdido durante todos esses anos, sendo uma boa moça, esperando por um bom marido apaixonado. Depois dessa noite, ela poderia vir a nunca se casar, mas agora tinha uma vaga noção do que estava do outro lado. E se arrependeu amargamente de nunca ter caminhado pelos jardins antes.


Um Duque Arranjado (Degustação)Where stories live. Discover now