Um pedaço de mim

(Parte 5) - O outro lado

        Observei Liv saindo de minha vida mais uma vez e novamente não tomei nenhuma atitude sobre isso. Apenas fiquei parado, sentindo o chão me puxar para baixo, um peso se instalando em minhas costas e ouvindo suas palavras ecoando em minha cabeça. Sua expressão de decepção e recriminação.

          Sabia que não reagiria bem àquilo, mas por anos eu sentia que precisava contar para ela. Contar que no dia que me achara tão estranho fora somente pelo nervosismo de pedi-la para passar o resto de nossas vidas juntos.

          Estava tão certo sobre aquele pensamento que liguei para seus pais e marquei um encontro. O que vocês acham? Liv vai pensar que o pedido é uma forma de prendê-la a mim? É uma boa ideia casarmos tão cedo? Vocês veem isso como algo bom para ela?

          Seus pais se emocionaram quando ouviram o que eu tinha em mente. Disseram que mesmo se não fosse a coisa certa a se fazer, era inevitável. Nós pertencíamos um ao outro. E eu também acreditava nisso. Então, quando saí de nosso encontro, fui direto para uma joalheria. Todos aqueles anéis brilhantes pareciam gritar felicidade, um caminho de construção e não um mundo de fantasias e impossibilidades. Era algo concreto.

          Infelizmente, fui zombado de forma arrasadora pelos preços. Toda a felicidade do mundo tem um preço a se pagar, mas aquilo era surreal. Doze mil em um anel? Da onde eu tiraria aquilo? Eu ao menos recebera adiantado pelas minhas músicas ao assinar o contrato. Só quando eu começasse a render para a gravadora eu iria ter algum retorno financeiro, mas eu não iria aguentar até lá para poder ter Liv como minha. Precisava de outro plano.

          Saí andando pela cidade, tentando pensar nas minhas possibilidades. Poderia comprar um anel mais barato, claro, mas onde o encontraria barato suficiente que coubesse no valor que eu tinha em mãos? Pensei também nos mil filmes que tivéramos visto durante toda nossa vida, filmes românticos em que algum personagem pedia em casamento o outro com um cadarço amarrado no dedo, um caule de uma flor e até mesmo uma tampinha de refrigerante. Mas Liv merecia mais, merecia algo sério. Eu queria mostrar para ela o quanto eu queria aquilo, que estava certo de minha decisão e não fora algo que apenas tinha pipocado em minha cabeça. Havia passado por todo o processo.

          Chutando distraído uma pedra pelo caminho, arrependido de não ter ao menos perguntado a minha mãe por lugares onde vendessem anéis mais em conta, de segunda mão até, trombei em um poste. Mas que porra!, praguejei para o universo. Meu nariz tinha ido logo de encontro ao alumínio e o segurei com força pensando ter o quebrado. Levantei a cabeça para que, se tivesse algum sangue, voltasse para seu lugar de costume e, ao fazer isso, uma folha voou em minha direção, caindo diretamente em meu rosto. Que droga!, exclamei já revoltado. Parecia que a cidade estava se rebelando contra mim.

          Puxei a folha só para perceber de que se tratava de um folheto, dizendo "Vende-se e compra-se ouro. Venha conferir nossas ofertas!". Sorri incrédulo para o céu, e me desculpei com a cidade. Há, afinal, dores que vem para o bem.

          Li o endereço e, após pedir informação para um dono de banca que havia ali perto, corri para o meu destino. Podia sentir borboletas batendo suas asas em minha barriga. Aquilo era real, eu iria pedir o amor da minha vida em casamento e nós iríamos caminhar por uma igreja e dizer nossos votos em frente a todos nossos familiares e amigos, todos iriam nos prestigiar, nos felicitar e desejar que tivéssemos uma penca de bebês. Nossos filhos seriam lindos, inteligentes e espertos como a mãe, artistas como o pai.

          Quando cheguei ao local, não conseguia esconder a minha euforia e nem mesmo o vendedor ranzinza conseguiu tirar meu sorriso idiota do rosto. Mostrou-me cerca de trinta anéis, um mais polido que o outro, mas um em particular me chamou a atenção. Em uma cor dourada, uma flor desabrochava em seu topo, revelando uma pequena pedra brilhante. Tinha que ser esse. Aquele era certamente o anel de Liv.