Capítulo 4

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- Senhora Marie, meus pais me abandonaram? – eu pergunto, enquanto com dedos ágeis a bondosa senhora trança meus cabelos.

- Pequena, eles tiveram que te deixar aqui, para você ser bem cuidada. Um dia eles voltarão para te buscar, ou você poderá ter uma família nova também.

- Eu não quero uma família nova. Eu quero minha mãe, e meu pai – eu grito, e irritada saio correndo. Vou desfazendo as tranças, e me tranco no banheiro para que as outras crianças não me vejam chorar. Eu não conseguia entender porque meus pais fizeram isso, mas sabia que não era a única a sofrer nessa situação. Muitas outras crianças estavam aqui, passando pelo mesmo que eu.

Cesso abruptamente meu choro, quando escuto pessoas entrando no banheiro. Escuto a voz da senhora Marie, e de outra garota, uma que ajuda ela e que se chama Suzanna.

- Faz mais de um ano que ela está aqui, e não consegue se adequar – a Sra Marie diz, enquanto escuto o barulho da torneira.

- Achei que ela logo seria adotada – diz Suzanna.

- Eu também. Mas ela está crescendo, quanto maior, mais difícil. Ela é uma menina tão doce, não merecia pais assim.

- Assim como? – Suzanna pergunta, enquanto eu penso o mesmo.

- Drogados. Hippies. Ou seja lá que nome dão a isso. Eles vieram pegá-la de volta meses depois de tê-la abandonado. A mãe parecia ter sido bonita um dia, o pai também. Mas eu não podia deixá-la voltar com eles. O Sr. Holmes disse que os viu quando foi fazer as compras mês passado. Eles estavam mendigando na rua 9.

Eu não conseguia entender. Meus pais. Drogados. Mendigos. A Sra. Marie estava mentindo. Eu queria sair daquele banheiro, gritar, bater nela, como ela ousa falar assim dos meus pais. Como ela ousa não ter me devolvido pra eles?

- Eu fico no seu lugar, vai descansar – Suzanna diz enquanto a água da torneira ainda escorria. – Molha sua nuca. A senhora tem que diminuir o ritmo. Senão sua doença vai piorar.

Doença?

- Essas crianças precisam de mim. Cassie precisa de mim. Não posso me dar ao luxo de descansar.

- A senhora ama muito ela, não é?

- Sra. Cassie...- murmuro encolhida sentada na privada.

- Amo como se fosse minha filha. E vou cuidar dela até que eu morra, mesmo que isso não demore tanto.

De repente, sinto apenas dor. O banheiro no qual eu estava desaparece. Meus olhos estão fechados.

-Sra Marie – eu grito. Quero que ela venha me salvar da escuridão.

Abro os olhos e encaro paredes manchadas. Minhas mãos são grandes. Não sou mais uma criança. Num tremendo baque, tudo cai sobre mim. A senhora Marie está morta há anos. Eu não sou uma criança há anos. Meus pais me abandonaram. Eu fui estuprada. Eu tentei me matar.

Com ânsias, consigo me levantar. Sem me preocupar com a roupa que estou ou com o cheiro que exalo vou cegamente até a porta, desço as escadas do apartamento correndo, pois me sinto sufocada. Preciso sair dali, preciso ir para algum lugar que eu não sei ao certo onde é. Quando por fim alcanço a rua me deparo com varias pessoas, algumas com câmeras nas mãos. Todos me olham, em completo silencio. Tento passar, mas eles não fazem menção em me dar caminho, e já sinto alguns flashes em minha direção.

- O que está acontecendo aqui? – pergunto a voz rouca por tanto tempo sem falar uma frase completa.

Um homem da um passo a frente, eu me encolho e me afasto um pouco.

- Senhora Cassie Niller?

Eu assinto.

- Gostaríamos de uma entrevista sobre o seu caso.

O meu caso?

Perante a minha expressão, ele pigarreia e continua.

- Além de mais detalhes sobre o que aconteceu, qual o seu envolvimento com John Ratfield.

Não consigo entender do que esse homem esta falando. John é o nome do meu salvador, eu acho. Ratfield é o sobrenome da família dona do hospital que trabalho, não só do hospital, mas de várias outras propriedades.

- O que você disse? – eu pergunto, sentindo um zumbido.

Um outro cara da um passo a frente.

- Nós do jornal internacional queremos saber qual seu envolvimento com o filho de um dos empresários mais ricos do mundo.

- Eu.... eu não sei do que vocês estão falando. Eu... não conheço...

- Senhorita, isso já é manchete em todos os jornais, desde que John se entregou. Essa é a sua chance de contar sua versão dos fatos, já que não conseguimos entrevistá-lo na cadeia.

- Que versão dos fatos? O único fato que eu sei, é que fui estuprada, e que um cara que eu não conheço me salvou.

Trêmula, olho para os lados. Não quero voltar pra casa. Não quero encarar essas pessoas. Eu sinto que o único lugar que eu devo ir é o lugar onde agora eu sei que esse tal de John está. Começo a ficar ofegante. Não escuto mais o que estão falando. Não me importo mais com as fotos que estão tirando de mim. Preciso sair daqui. Cogito correr até a delegacia, mesmo sabendo o quão longe fica, pois não tenho dinheiro. Celular. Não tenho nada. E é com lagrimas de alivio nos olhos, que avisto o carro de Penny parando em meio aquele monte de gente. Imediatamente corro até o carro e abro a porta, entrando e a fechando com um baque.

- Me leve até a delegacia, por favor – suplico.

Penny me olha. Num misto de tristeza, e pena.

- Você já sabe? Dos rumores? – ela pergunta, cautelosa.

Assinto.

- Você tem que ser forte. Tem muitas historias, envolvendo você e esse John. Em todos os jornais e revistas.

Meu estômago embrulha. Não consigo falar mais nada. Não consigo nem entender qual a minha necessidade de querer chegar até esse cara.

Penny acelera, deixando para trás os flashes e aquelas pessoas sedentas por alguma historia que lhes renda uma capa de jornal impactante. E eu, não consigo pensar em mais nada a não ser em John Ratfield e no porque ele esteve em meus sonhos todo esse tempo, e agora em minha vida. 

Eu, para você (EM CONSTRUÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora