Capítulo 1 - Irlanda

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''O astuto Slytherin dos brejais...''

Salazar Slytherin suava.

O corpo magro e igualmente suado de Catherine Rowle caiu ao lado do dele, tentando recobrar o ar. O vento gélido que entrava pela janela de vitrais acariciava as peles quentes, que se arrepiavam. Os rostos se viraram, um para o outro, sorrindo quase no mesmo instante.

— Se meu pai me visse agora... — A voz delicada de Catherine era como música para os ouvidos dele.

— Na cama do melhor e mais famoso bruxo da Irlanda? — Ele riu, puxando-a pela cintura e colando seus corpos novamente. — Ele ficaria orgulhoso.

— Ficaria devastado. Furioso. Me deserdaria! Não somos casados, Salazar... — Catherine murmurou, passando os dedos pelo peito forte dele. — Minha honra...

Os lábios dele se crisparam.

— Ora, ainda não. Mas seremos em breve.

— Em breve. — Repetiu ela.

Vinha esperando o pedido de noivado há tempos. Desconfiava, às vezes, que Salazar estava demorando para fazê-lo pois ela era filha de um nobre trouxa e uma bruxa. Seu pai não sabia, no entanto. Sua mãe, Grisella, contou para a filha assim que completou idade suficiente para entender o quão perigoso era ser uma bruxa. Lhe ensinara e lhe apresentara bruxos quando se tornou uma jovem adulta, principalmente Salazar Slytherin, que era uma espécie de autoridade dos bruxos na Irlanda. Talvez por ser descendente de uma família milenar, talvez por ser um bruxo de muito poder ou talvez por ser o mais rico entre eles; ela não saberia dizer. Não demorou muito para que começassem os cortejos, é claro. E demorou menos ainda para que ela não suportasse interromper os beijos quentes que lhe desciam o pescoço e colo, e quando viu, roupas estavam espalhadas no chão e seus cabelos espamarrados nos travesseiros. Não era só desejo: ela o amava tanto que chorava cada vez que ele precisava partir para algum vilarejo ao longe e via, como se fosse um espelho, lágrimas tão grossas quanto as suas deslizarem dos olhos para as bochechas de Salazar.

Catherine era, para ele, como respirar ar fresco: sem que nunca pedisse, de repente os bruxos da Irlanda passaram a tê-lo como autoridade, implicando à ele que resolvesse todo e qualquer problema que aparecesse. Não que Salazar fosse reclamar, adorava ter toda aquela atenção e adorava mais ainda saber que as pessoas o consideravam como o melhor bruxo do país. No entanto, ele se cansava. Eram problemas que ele precisava resolver e que de nada o interessavam ou envolviam, causando-lhe um profundo estresse. E então conheceu Catherine Rowle. De feições delicadas, olhos brilhantes, lábios vermelhos e maçãs do rosto altas, destacando ainda mais sua beleza. A voz suave como a brisa do mar. Era pura calmaria em meio ao caos, ainda que fosse filha de Edward Rowle, o maldito duque trouxa que estava sendo responsável pela caça às bruxas por todo território irlandês. Achava engraçado que tivesse esposa e filha bruxas, no entanto.

Com um desagrado, Salazar se levantou e passou a recolher suas roupas no chão. Catherine sentou-se na cama, cobrindo-se com o cobertor branco que antes se encontrava embolado num canto.

— O que te aborrece?

— Meus pensamentos. — Bufou, começando a vestir-se. — Trouxe seu pai para a conversa e agora me lembrou de que eu já deveria ter arrancado a cabeça dele há tempos.

Catherine arfou.

— Não faça isso, Salazar. — Ela pulou da cama, nua, como se ele estivesse indo para a residência Rowle naquele instante.

— Vista-se, Catherine. Já passou de seu toque de recolher. Não quero guardas trouxas rondando minha propriedade.

— Pois agora o que te aborrece sou eu? — Indagou, irritada.

— Jamais. — Salazar se virou e beijou-a na testa. — Apenas prezo por sua segurança. Não se preocupe, darei um jeito de não matar seu pai e acabar com essa caça estúpida.

— Obrigada. — Catherine sorriu, beijando as mãos dele. — Saiba que te amo.

— Eu também te amo.

{...}

A promessa que havia feito para Catherine martelava em sua mente, parado frente ao corpo de cinco bruxas queimadas na fogueira. Lado a lado, amarradas por cordas em troncos grossos. Cinco corpos completamente torrados.

Slytherin juntou as mãos trêmulas e engoliu em seco. Ainda lembrava perfeitamente bem do dia em que havia viajado com o pai para uma visita à família Gryffindor, na Inglaterra. Voltaram com a notícia que sua mãe, sua doce e educada mãe havia sido queimada na fogueira por mando de Edward Rowle, acusada de bruxaria.

Há anos ele lidava com aquela caça às bruxas que, aos poucos, foi se tornando popular por todos os reinos vizinhos: Inglaterra, Gales e Escócia. Quando estava prestes a matar Rowle com um único feitiço, conheceu Catherine, com olhos brilhantes e súplicas de uma filha que amava o pai, apesar de suas monstruosidades.

Mas ali estava ele, mais uma vez em anos, parado diante de corpos queimados de bruxas. A sorte era que Rowle era burro o suficiente para acreditar que apenas mulheres eram versadas em magia. Ainda encarando os cinco corpos, quase conseguia ouvir o farfalhar do fogo.

Não.

Ele estava ouvindo fogo crepitar.

Virou a cabeça rapidamente, procurando ao redor. Ao longe, viu um pequeno ponto brilhante e gritos de uma multidão. De lá, uma mulher corria em sua direção aos berros, balançando os braços. Salazar começou a correr na direção dela, sentindo o coração bater forte em seu peito. Quando se alcançaram, ela se jogou em seus braços.

— Senhor Slytherin... minha filhinha... minha doce menina... — Ela soluçou, gaguejando. — estão levando-a para a fogueira!

Salazar a largou quase que imediatamente, começando a correr outra vez. Dava passos maiores do que suas pernas podiam aguentar e logo sentiu seus músculos reclamarem do esforço, mas não parou até atingir a aglomeração de trouxas. Ele parou, ofegante e horrorizado, enquanto assistia a uma menina de cinco anos ser banhada em àlcool. Seu pequeno rosto estava vermelho e a boca arreganhada, chorando.

— PAREM! — Gritou, empurrando as pessoas em seu caminho, que aplaudiam. A visão de Edward Rowle em pé ao lado da fogueira pareceu acender um ódio descomunal dentro de si. — Rowle, seu imundo desgraçado! É uma criança!

— Uma filha do diabo, você quer dizer, Slytherin. — Retrucou com desdém. — Essa menina é a representação do Anticristo, do ser filho de Satanás que virá para dizimar a nação cristã e nos afastar de nosso Cristo salvador! — Ele apontava para a menininha e gritava com tanta fúria que os bigodes espessos pulavam em seu rosto.

— Escute a si mesmo, escute os absurdos que saem de sua boca! Você perdeu a sanidade! Você, Rowle, e todos vocês que apoiam uma atrocidade dessas!

Salazar fez questão de empurrar mais pessoas, abrindo caminho. Rowle arregalou os olhos e virou-se para os guardas.

— Fogo! Fogo na bruxa!

As chamas lamberam os pés da menina e subiram pelo pequeno corpo enquanto ela gritava. Slytherin parou, sentindo-se congelar. Os gritos de comemoração ao seu redor pareciam mudos e os olhos da menina o encararam pela última vez. Voltando a si, ele pulou no palanque e agarrou Rowle pela garganta. Guardas e mais guardas o agarraram pelas vestes e o puxaram para trás, jogando-o no chão. Socos, chutes e puxões vinham de todos os lados e Slytherin não conseguia raciocinar, não conseguia pensar em pegar sua varinha e dar uma lição em todos eles. Continuou no chão mesmo quando pararam de lhe bater e foram embora, deixando-lhe com o corpo queimado da menina. O cheiro de carne torrada era tão forte que ele sentia ânsia e o choro da mãe da menina não ajudava. Continuou no chão, pois se sentia uma falha. Falhara em defender uma pequena bruxinha, o futuro da magia. Fechou os olhos, odiando-se por sentir pena de si mesmo. Só tornou a abrir os olhos quando mãos gentis demais afagaram seu rosto.

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