A água fria que foi arremessada em meu rosto sem qualquer cerimônia me trouxe de volta à realidade e me fez perceber que o inferno, afinal, não precisava de chamas ou demônios; bastava um homem com técnicas bem peculiares e um local escuro e congelante onde ninguém poderia ouvir minhas súplicas.
— Bem-vindo, garoto! — Apesar da simpática frase, a voz nas sombras não transmitia nenhum calor humano e o tom de ameaça dificultou ainda mais minha compreensão. Cada célula do meu corpo estava ciente de que o anfitrião tinha conceitos grotescos de hospitalidade. — Olha, vou te contar uma coisa... O tempo realmente não te fez bem.
Minha tosse disputava espaço com a voz nas sombras e um sol artificial me cegava, provavelmente uma lâmpada nua apontada para mim, como se eu fosse o astro principal de algum monólogo de mau gosto.
Era uma pena que, no roteiro da peça, todas as minhas falas fossem gritos...
Meus pensamentos rodavam num turbilhão entre passado e presente e uma forte enxaqueca amassava meu crânio.
— Eu disse bem-vindo!
O golpe que veio em seguida poderia ter sido desferido por um punho ou uma marreta. A dor que se espalhou pelo meu rosto quando meu nariz foi arrebentado me privou de qualquer precisão. Sentindo o amargo gosto de ferro e a cabeça latejando, fechei os olhos e tentei me agarrar a alguma lembrança, qualquer retalho de passado que pudesse haver em algum canto do meu cérebro defeituoso.
— Opa, melhor eu segurar minha animação. Não queremos o nosso convidado desmaiado — disse a misteriosa voz masculina de algum lugar do ambiente desconhecido onde eu me encontrava, ainda me recuperando do meu despertar pouco gentil. — Você sabe por que está aqui, não sabe?
Não, eu não sabia.
Ou melhor, não lembrava. A dor trouxe de volta a minha consciência corporal e então eu percebi que me encontrava com os braços presos às costas, completamente imobilizado. Quando meus olhos resolveram voltar a funcionar, olhei para baixo com dificuldade e vi cordas, correntes e cadeados me atando a uma cadeira de metal.
Ben Simons amarrado em uma cadeira...
Um grande e escroto clichê da minha vida.
— Nem adianta tentar se soltar daí, senhor Simons. Não sou o incompetente do seu tio. Fiz questão de te amarrar bem apertado desta vez.
— Aquele filho da puta não era meu tio — falei cuspindo sangue, e cerrei os dentes como se mordesse o próprio Romeo Johnson, sentindo a onda quente de ódio circular pelas minhas veias e me aquecer pouco a pouco da água gelada que ainda escorria pelas extremidades dos meus cotovelos.
Ultimamente essa onda vinha com bastante frequência, quase sempre incontrolável.
Sempre muito perigosa.
— Quem é você?
— Bom, não é o que dizem por aí, não é mesmo? — questionou Voz Misteriosa, sem responder à minha pergunta. — Ben Simons, o Monstro da Colina. O Assassino. Cruel, impiedoso, sem escrúpulos. Uma mente demoníaca que despertou para a maldade aos dezessete anos de idade e não parou mais. Quanto tempo faz mesmo, hein, Benny? Dez? Onze anos? Você definitivamente não é mais um...
— Não me chame assim — sussurrei.
— E por que não? — Ele parecia estar se divertindo. — Não era assim que aquela sua... — pigarreou. — ... priminha querida te chamava?
Era clara a intenção do Voz Misteriosa naquele momento e ele a estava alcançando. Com os punhos cerrados, eu lutava para manter a calma e evitar que as coisas fugissem do controle dessa vez. Eu precisava descobrir onde estava, como viera parar ali e o que acontecera com os outros. Principalmente com o Jacob. Seria minha culpa se ele estivesse morto. E eu não suportaria mais nenhuma morte nas minhas costas.
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Dança da Escuridão [Degustação]
Terror"Marcus escreve como se plugasse suas ideias em tomadas e desse-lhes vida através da eletricidade. Alta tensão do início ao fim." (Josh Malerman, autor do best-seller Caixa de Pássaros) "Passado, vingança e busca por redenção em uma história surpree...