O Retrato

7 0 0
                                    

Com minhas mãos segurava sua foto, a mais bonita que eu fiz. Nela você olhava para mim com aqueles seus olhos meigos de menino, mas com um rosto singelo de um rapaz, esse seu olhar roubou meu coração e agora o sequestrou para longe em meio ao desconhecido. Só me restaram as lágrimas de aflição por sobre este seu retrato.

A noite começava a cair sobre uma orquestrar de sons com o barulho intermitente da impressora, os bipes do telefone, o chiado da chaleira, as notícias de um telejornal e os estalados provenientes dos pisados incautos. Tudo parecia em desordem, então uma pergunta surgiu em minha cabeça. Como achar algo que não sabe que está perdido?

A noite rapidamente deu lugar ao dia, mas deixei as ruas decoradas com o seu rosto, um esforço desesperado em busca de informações sobre seu paradeiro, talvez alguém o reconhecesse nas fotos, o celular então poderia trazer uma boa notícia, me agarrei a essa fagulha de esperança.

Porque o sol insistia em raiar? O café já surtia fraco e a sacada do apartamento perdia toda sua frieza com o alvorecer. Todo esse brilho só me fez lembrar que mais um dia nasceu e seu rosto ainda permanece estampado em cada esquina. Isso fomentava a esperança de enfim o telefone tocar, mas nunca tocou, pelo menos não pelos meus motivos desejados.

Conforme os dias se passaram o sono já se tornara leve, mal conseguia recuperar as dores do corpo dos dias anteriores, a chaleira novamente soa seu apito trazendo consigo a hora de encarar a dura realidade. Mais uma vez me questionei. Porque a luz insistia em ser desperdiçada em minha janela? Ninguém parecia ver os meus anúncios, porque alguém se importaria com as dores que eram somente minhas.

Acostumei-me a todas as manhãs acordar com as lágrimas secas em meu rosto, o café me recobrava o ânimo, poderia fechar a cortina da sala, então isso ofuscaria os raios de sol, assim como a visão da rua através da janela. Parei para observar o movimento daquelas pessoinhas, nenhuma delas atentava seus olhares para os cartazes, cartazes que agora estavam gastos devido às intempéries dos dias, essas pessoas pareciam animais domados as rédeas com seus antolhos que os obrigava sempre olhar para sua própria frente. Meu caso seria mais um e não haveria solução para está mera estatística. Não existem mais curiosos, menos ainda bons samaritanos. Mas ao longe, vi os cartazes atraírem o que eu tanto buscava, parecia uma situação irreal como tantas outras. Aquele ser de olhos fixados no cartaz que procurava desvendar o porquê de sua foto estampada para a multidão.

Corri até os pulmões saltarem a boca, como quem está próximo da linha de chegada já ansiando pelo prêmio, na expectativa que toda realidade voltasse a sua normalidade. Quando cheguei próximo, ele se manteve intacto da mesma forma como havia avistado da janela. Nesse momento tive receio e medo ao mesmo tempo, já havia passado bastante tempo desde seu desaparecimento, estava agora tão perto de encontra-lo novamente. Tive medo de que ele fosse outrem, como tantas vezes já havia acontecido e minha mente pregará mais uma peça utópica. Tive receio de enfim achá-lo, pois não saberia mais como reagir, talvez abraçá-lo, castigá-lo, confortá-lo, subjugá-lo ou simplesmente olhá-lo. Não pensei mais em possibilidade nenhuma, apenas toquei-o. Ele por fim virou-se e olhou para mim.

Nesse momento não contive as fracas lágrimas que fugiam de meus olhos para alimentar um raso pranto, como reação levei minhas mãos a boca para acalentar a surpresa que senti. Reparei que seu singelo rosto já não era o mesmo, mas percebi que era ele por conta dos olhos, eram os meus olhos, vi que seu olhar perdido, olhava para além de mim e senti que mesmo estando perto ele parecia tão distante, seu olhar era vazio, sua aparência estava degradada, apenas segurei-o e abracei com força na expectativa que recobrasse a consciência, mas parecia que a mesma o tinha abandonado há muito tempo, agora ele vivia em um mundo que não fazia mais parte do meu, por ironia você criou seu próprio mundo aonde eu não tenho espaço nele.

Meu Caderno VisceralOnde histórias criam vida. Descubra agora