Ding Dong. Ding Dong. Soou campainha, aquele corredor estava meio escuro, a iluminação era precária, dava para ouvir os vizinhos em suas casas, pelo barulho da televisão ligada ou o estalar do piso aos passos. Alguém subia a escada ao fundo do corredor, pois ela gemia a cada novo degrau que era avançado. Eu estava diante de uma porta, ela era bem simples, seria facilmente botada a baixo, talvez só uma tranca interior a mantivesse fechada. Eu estava decepcionado comigo mesmo, pois ali era a casa que minha filha estava. Sempre quis dar o melhor para ela e essa não parecia ser a melhor condição, pelo menos não no meu ponto de vista.
A porta finalmente se abriu. Ela estava graciosa como sempre.
– Papai! – Fui recebido com um forte abraço, foi bastante acalentador. Aquilo me deixou mais frágil, tê-la novamente em meus braços era reconfortante. Mas o abraço, pouco durou e se voltou em uma injúria da minha criança, ela começou a bater incessantemente em meu peito, enquanto eu olhava seus olhos marejados. Preciso evitar promessas que não posso cumprir.
– Você prometeu que viria no meu aniversário semana passada. Eu dei banho no Billy, – Esse era o gatinho branco dela. – fiz todas as tarefas da casa, e depois fiquei bem arrumada, botei até o lacinho de cabelo que você me deu. Mamãe trouxe um cupcake para mim, mas prometi que só comeria quando você chegasse.
Agora meus olhos que estavam marejados. Foi minha vez de retribuir o abraço.
– Desculpe filhinha, nem tudo acontece como planejamos, existem coisas que você ainda não entende. – Segurei sua mão e saímos do corredor e entramos no apartamento. – Mas agora estou aqui com você, isso é o que realmente importa nesse momento. – Ela fechou a porta e fomos até o pequeno sofá que estava no meio da sala. – Eu te amo, meu anjinho – Dei um leve beijo na sua testa.
– Eu também te amo papai. – aquelas palavras preenchiam um grande vazio em meu peito. Essas doces palavras faziam com que todos os problemas desaparecessem e só aquele momento existisse. – Mas a mamãe está muito brava com você. Ela não gosta quando falo de você, ela pede para eu esquecê-lo, diz que você não foi um bom pai. Às vezes escuto mamãe chorando no quarto à noite. Desde quando você foi embora e mudamos para este apartamento, ela está sempre trabalhando, quando está em casa ela fica sempre dormindo e quando não dorme está arrumando alguma coisa ou fazendo algo. Ela tem tomado muitos remédios, acho que isso a deixa cansada também. Eu tento ajudar nas tarefas de casa, pra quando ela chegar encontrar tudo limpo, mas acho que não é suficiente papai, o que eu faço?
Enquanto ela falava com seu jeitinho doce e meigo, reparei o quanto ela tinha crescido desde a última vez que a visitei, seu cabelo já estava passando dos ombros, não estava mais cortado como antes. Parecia que quanto mais o tempo passava mais ganhava as feições de sua mãe. Aqueles olhos arredondados e amendoados, era possível ver meu reflexo neles. Sua aparência era tão sutil como uma flor que acabava de desabrochar. Notei que já falava e gesticulava como se não fosse mais criança, minha filhinha já estava se tornando uma bela mocinha, talvez o fato da responsabilidade chegar tão cedo em seus ombros o fizera ser assim. Talvez se eu estivesse presente ela não deveria ter tantas responsabilidades, ela ainda é só uma criança, já tem que cuidar de uma casa, de si mesmas e também de sua mãe. Ela [...], me sacudiu.
– Pai? Estou falando com você.
– Sim filha, desculpe. – Passei levemente a mão em seus cabelos, já estava um pouco mais desleixado, mesmo assim continuava sedoso. – Você é ótima filha, não devia se preocupar tanto assim. Você já ajuda muito sua mãe aqui em casa, saiba que isso é o suficiente. Com certeza a mamãe deve se orgulhar de você, por que eu me orgulho bastante.
Ao concluir minha frase, um enorme estrondo ressoou do lado de fora da janela do apartamento, de repente toda a luz havia se extinguido, os cães começaram a latir na rua, foi possível ouvir um carro não muito longe soar seu alarme. Minha filha deu um grito agudo, que me assustou mais do que toda essa soma de fatores precedentes. Ela me abraçou fortemente e senti seu coração palpitar rapidamente quando seu peito ficou pressionado em meu braço.
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Meu Caderno Visceral
Short StoryCada capítulo trás uma nova história carregada de emoções, de realidade e de fantasias. "Os vícios são capazes de abstrair a realidade, cuidado com os vícios, saiba dosar ou viverá em sua própria fantasia."