CAPÍTULO I: Uma fuga quase perfeita

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Genôvia era uma cidade suja. Suja e mal cuidada. Até a neve que caía parecia encardida, tamanha era a sujeira do lugar. E não só a sujeira física. Esquemas de corrupção, tráfico de drogas, órgãos, pessoas... aquela cidade tinha sangue como fundamento para segurar o concreto, e os neons vermelhos ajudavam a lembrar disso. Lykos acabava de ver um trecho do noticiário holográfico na avenida principal, onde guardas condecorados pelo governo sorriam heroicamente para as câmeras, triunfantes por apreenderem malfeitores.

— Queremos que todos em Genôvia saibam que estão protegidos. – disse um dos soldados à câmera, sem tirar seu capacete. A voz abafada e digitalizada era quase inumana, mas não distorcida demais. – Os elementos eram responsáveis por uma célula terrorista, mas a situação já foi controlada.

Na verdade, e todos sabiam, eles haviam condenado pessoas comuns a morte, provavelmente por apenas esconderem um Incognit entre eles.  Bom, aparentemente, nem todos.

— Os deuses jamais aprovariam isso. Terroristas? Para que perturbar tempos de paz como esses? – resmungou um senhor de idade, a boca com vãos de lugares que deveriam ser preenchidos por dentes formando quase um piano em sua boca que se distorcia em uma expressão de desdém – Loucos, todos eles!

O idoso se voltou para o rapaz encapuzado parado ao seu lado, com ambas as mãos no bolso de seu moletom.

— Que bom que estamos protegidos por eles, certo, rapaz? – ele deu um sorriso que, para o rapaz de olhos estranhamente dourados, mais parecia de um maníaco do que qualquer outra coisa.

Incomodado com o olhar febril do velho, Lykos virou-se assim que anunciaram que iriam voltar para o estúdio, onde mais mentiras seriam expelidas. Ele abaixou novamente o capuz sobre o rosto e seguiu seu caminho. Tirou do bolso uma maçã que acabara de roubar de uma loja sem que o vendedor visse. Deu uma mordida, sentindo o gosto de comida fresca. Saboreou cada gota do suco da fruta que invadia sua boca e descia vagarosamente a garganta. Ouviu um barulho, uma algazarra e olhou por uma das muitas vielas da cidade procurando a fonte do som, apenas para ver uma lastimável cena que o rapaz sabia que era muito comum em Genôvia.

Havia uma roda de pessoas, sobretudo jovens, e no meio dessa roda, caído e ensanguentado, um homem cuja aparência delatava que ele não era um humano comum. Ele tinha duas pequenas protuberâncias na testa, como se fossem chifres. Lykos não sabia identificar que cor era sua pele. Era escura, mas o sangue atrapalhava uma identificação melhor. O rapaz então viu com o canto dos olhos um homem levantando uma garrafa de vinho barato, pronto para estraçalhá-la na cabeça do estranho homem. Olhou para a maçã e jogou-a para cima, medindo seu peso. Correu pela viela em direção ao grupo. Usou uma lata de lixo para alcançar uma mureta e saltar de lá, tudo sem perder o embalo, arremessando a maçã enqunto pegava o impulso. A fruta acertou com força a nuca do homem, fazendo com que soltasse a garrafa. A mesma quebrou-se no chão, deixando vazar o líquido escuro como o sangue em meio à neve. O homem virou-se ainda tonto, apenas levar uma voadora em seu rosto e ser arremessando-o para trás, em meio à multidão, com o nariz praticamente afundado para dentro. O grupo voltou-se para o rapaz encapuzado que, já entrando numa posição defensiva, sorria de forma triunfante e, até mesmo, cruel.

Alguém tentou acertá-lo com um pedaço de madeira, mas Lykos segurou-o e, diminuindo a distância entre ele e o atacante, acertou um golpe em sua axila de forma a fazê-lo perder a força no braço e assim conseguindo tomar o taco improvisado de sua mão, afastando-o com um chute no peito. O rapaz usou o taco para despachar mais alguns dos atacantes, até que esse quebrou-se devido aos impactos.

Mas a luta ainda não havia acabado.

Ele percebeu que alguém havia pego a garrafa do chão e vinha com ela levantada sobre a cabeça, pronto para desferir um golpe. O sujeito tinha um sorriso nojento em seu semblante, o semblante de um covarde. Lykos fez-se de distraído e, em um rápido movimento, segurou o pulso do ser andrógino e espalmou sua traqueia, fazendo-o perder o ar e cair tossindo. Os que ainda tinham força para se levantar se afastaram rapidamente, resmungando pelos ferimentos causados pelo jovem, ou até por puro terror. Lykos suspirou, vendo a densa nuvem de fumaça pálida deixando sua boca. Se deu um tempo para recuperar o fôlego, então olhou para o homem com chifres, ainda caído e tonto em meio aos diversos corpos e estendeu a mão para ajudá-lo a se levantar.

Futuro Sombrio - File#1: Sussurros de uma revoluçãoWhere stories live. Discover now