14 de abril de 2018 - 04:04 da madrugada
Passo um café bem forte para nos mantermos acordados o resto da madrugada. Enquanto Jonathan termina os últimos ajustes na Jhow Jhow Power... Jhow Jhow alguma coisa, eu sei lá.
Olho para o relógio e quanto mais o tempo passa mais eu sinto que é melhor cair fora. Isso é uma loucura.
Mas pode ser legal, balanço a cabeça positivamente.
Eu posso achar algo valioso e ficar rica. Dou um sorriso para o espelho do micro-ondas. Minha vida nessa cidade de fim de mundo acabaria, moraria num apartamento com mais de 20m² com divisórias entre os cômodos e de preferência no último andar, para não correr o risco de que algum vizinho jogue bitucas nas minhas roupas.
Fora a experiencia de vida única que mais ninguém no mundo (eu acho) terá.
Eu posso congelar no fundo do oceano Atlântico. Sinto um calafrio.
- Puta merda - queimei o dedo enquanto colocava a água quente no coador.
Eu quero fazer isso. Afirmo para mim mesma e olho meu reflexo no espelho do micro-ondas novamente.
Levo duas xícaras de café fumegante até o meio da sala e deposito uma na mesa de centro. Enquanto sento no sofá Jonathan sai do banheiro trajado de terno completo na cor cinza.
Não sinto cheiro do seu "Antônio Bandeiras", isso me faz perceber que ele também está com medo.
Olho para minha roupa; tênis para caso precise correr, calça para caso precise pular, três blusas por baixo de um sobretudo que vai até o joelho. Bom, para evitar que eu congele rápido se é que você me entende.
- Você acha que deveríamos levar pés de pato? - Jonathan diz girando em torno de si, para mostrar o visual.
- Haha muito engraçado
- VAMOS LÁ - bate palmas e tira meu pé de cima da mesa de centro - vamos repassar algumas regrinhas básicas.
Puxa um pequeno bloco de anotações e continua a falar;
- Primeiro, aquelas pessoas já estão mortas. Nada de bancar a boa samaritana, entendeu? - diz me olhando com os olhos estreitos e concordo com a cabeça.
- Segundo, tente não levantar suspeitas, lembre-se que qualquer coisinha vai alterar o rumo da história no futuro, ou não - risca algo em seu bloco de anotações.
- Terceiro, lembre-se do nosso objetivo; itens de valor e a pintura. Podemos nos dividir, mas acho muito perigoso.
- Quarta e última regra; devemos estar na proa antes das 23:40, que segundo consta em todos os sites e reportagens foi o horário em que o navio colidiu com o iceberg. Pelos meus cálculos seremos lançados na parte da manhã do dia 14 de abril e devemos estar de volta a proa que é o local que vamos ser lançados, no horário que falei, entendeu - diz apontando o dedo na minha direção como se falasse com uma criança. Depois reparo que ele repetiu a mesma coisa duas vezes, mas dou de ombros.
Balanço a cabeça e solto o ar, não consigo não revirar os olhos.
- Combinado, Capitão! - bato continência de uma forma zombeteira - a gente nem sabe se essa viagem vai dar certo, só tentamos na vez do show.
- Sim, então reza para não cair no meio da segunda guerra mundial.
Meu estomago embrulha com essa possibilidade
- Tudo bem! Eu fico com o Titanic - falo tentando convencer mais a mim do que a ele - Eu preciso usar o banheiro primeiro - levanto rapidamente deixando a xícara na mesa e me tranco no banheiro.
Abaixo a tampa da privada e me sento sobre ela. Observo a banheira cheia de coisas, fios e tubos que não sei explicar, estreitos os olhos como se ela fosse um bicho de sete cabeças.
- Olha, não nos mande para a segunda guerra mundial. Só vamos pegar o quadro que o Jonathan tanto quer e partir!
A encaro como se fosse responder. Jonathan bate na porta logo em seguida.
- Vamos! - ele fala
Caminha em direção a banheira e senta e posso sentir que só fez isso por que tomou 10 segundos de coragem. Ele também está com medo e se não fossem as calças largas diria que suas pernas finas estão tremendo.
Me acomodo dentro da banheira na minha conhecida almofada amarela e percebo que tem uma bolsa de couro entre nós dois.
- É para guardarmos o que a gente encontrar - explica como se tivesse escutado meu pensamento.
- O mapa do navio está aí dentro?
- Sim, você decorou onde fica a cabine do capitão e a área dos hospedes mais ricos? - pergunta
- Sim - mentira, não decorei, mas depois eu olho o mapa
- Então é isso, que a protetora dos navios afundados nos proteja e que não viremos picolé no meio do atlântico norte - coloca as mãos em prece e reviro os olhos pelo seu exagero.
Solto o ar como se fosse um balão de festa murchando e fecho os olhos numa prece menos exagerada.
Viajar 106 anos no passado. Procurar a pintura no compartimento de carga que fica no subsolo do navio, comer comida britânica, sentir frio até os dentes baterem e sobreviver até as 23 horas sem ser lançada ao mar e virar comida de... seja lá que bicho more no atlântico norte.
Jonathan aperta alguns botões e uma data aparece no visor. Dia 14 de abril de 1912 o dia decisivo nas nossas vidas.
O dia decisivo na vida daquelas 2.500 pessoas.
- Vamos lá, estamos prontos? - pergunta e eu concordo com a cabeça
- Seja o que Poseidon quiser - falo baixinho
Escuto um estalo alto e arregalo os olhos. Já passei por isso antes, mas duas vezes não são suficientes para se acostumar a este tipo de situação.
Fecho os olhos com força e agarro as bordas da banheira sentindo meus dedos ficarem dormentes. Um solavanco muito forte parece me atirar para longe parecendo fazer meu cérebro chacoalhar dentro da minha cabeça. Sinto uma náusea muito forte e movimentos lentos e bambos, como se balançasse suavemente, mas o suficiente para meu corpo sentir. Meus olhos permanecem fechados.
Sinto calor, um calor muito intenso como se meu corpo estivesse dentro de um forno pré-aquecido.
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Uma estranheza no tempo
Historical FictionUma mulher, um vizinho esquisito e uma... Banheira que viaja no tempo? Rosa Wellington tem 27 anos e sua vida se resume ao trabalho no bar, comidas gordurosas e um interminável sentimento de que não está fazendo nada de útil. Seu melhor amigo é o v...