Chovia naquela tarde. Uma chuva torrencial e murmurante que desabava sobre Balder em incessantes jatos gelados, com gotas que salpicavam sua pele como se fossem torrões de açúcar. Desde cedo o tempo havia se fechado, as nuvens carregadas haviam escondido o sol lentamente, e Balder, solitário, caminhava por entre várias árvores numa floresta.
O pai o havia mandado até lá, a fim de que ele apanhasse o máximo de lenha que pudesse aguentar; o maior número de madeira que seus braços castigados conseguissem carregar durante as longas jornadas de caminhada.
O vento forte que cortava a mata fazia com que as copas das árvores dançassem alinhadas umas com as outras, em plena sintonia.
Balder morava num vilarejo chamado Algoz, com dois irmãos e os pais. Residia numa província que era localizada no lado norte de uma terra chamada Dasgar.
Era um rapaz forte, alto, de pele branca e músculos definidos. Tinha cabelos pretos que passavam dos ombros em duas tranças de igual tamanho e olhos pretos que eram separados pelo nariz reto e comprido. No lado esquerdo da face de Balder, havia um sinal de nascença que surgia na testa e morria por sobre os lábios, um sinal de cor amarronzada.
Naquele dia o sol raríssimas vezes aparecera.
Era uma manhã tremendamente fria.
Mas a friagem matinal nunca fora empecilho para que Balder deixasse de cumprir o seu trabalho diário: as tarefas que eram contra a sua vontade, mas que, no entanto, deveria concretizá-las, ou do contrário o almoço e o jantar se distanciariam mais ainda dele, mesmo que sua verdadeira fome fosse por vingança.
Ele saíra de casa bem cedo do dia. Tão cedo que os poucos raios de sol que brotavam de trás das montanhas clareavam apenas um lado da casa onde vivia, deixando o outro lado debaixo de sombras.
Tinha-se tornado rotina acordar com os chamados do pai ao pé do ouvido, a voz do velho sempre em tom raivoso e sarcástico. E isso havia feito da felicidade de Balder — que poucas vezes sonhara despojar de tal sentimento — algo irreal, inexistente. Assim, a vida tempestuosa do rapaz era, sem sombra de dúvidas, um inconstante mundo paralelo: ora sombrio, ora iluminado.
Ele nunca poderia contar com uma felicidade que de fato jamais se aproximaria dele. Ele não poderia jamais se deixar enganar com falsas esperanças de mudança.
Enquanto caminhava despreocupado pela floresta ouviu um grito assustado e ao mesmo tempo desesperado eclodir do meio das árvores.
Balder parou instantaneamente, o coração palpitando como nunca havia palpitado. Seus olhos miúdos começaram a focar a amplidão da floresta à sua frente, mas as árvores de troncos finos impossibilitavam esse trabalho, já que elas eram demasiadamente próximas umas das outras.
Mesmo assim Balder queria avançar floresta adentro, queria averiguar o porquê do grito, saber quem havia se esgoelado daquele jeito.
Pouco tempo depois tudo estava silencioso, calmo como sempre foi e Balder voltou a juntar os gravetos no chão, tentando esquecer o que havia acontecido. Mas outro grito logo irrompeu no ar, correndo no meio das árvores. Um grito frio e penetrante que lhe fez estremecer todo o corpo, e que foi se finalizando num gargalhar murmurante e ao mesmo tempo desdenhoso.
— Quem está aí? Vamos, responda! — perguntou ele, aguçando ainda mais a visão, porém ninguém respondeu.
Os gritos podem ser apenas na minha cabeça, consequência do que estou vivendo, pensou enquanto olhava para os lados à sua volta. Poderia ser o seu inconsciente gritando por ajuda, o que de fato se concretizava no que Balder queria fazer há muito tempo: fugir para longe do vilarejo onde morava.
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Fronteiras do Mundo Antigo: Caçado
FantasíaA notícia de que a mãe de Kobalde deverá se entregar a Lorde Balder não poderia ter sido... pior. Ele presencia um feroz ataque a sua província, orquestrado por Balder, e a partir daí precisará encontrar uma maneira de impedir que esse desconhecido...