A noite foi longa para a família de Jennifer, principalmente para o seu pai, que se culpava pelo ocorrido. Ele era uma pessoa que se irritava com facilidade quando o assunto era defender a honra de quem amava, e por conta disso sua amada filha seria levada para servir aos nobres em um lugar onde eles nunca sonharam estar.
Jennifer dormiu pouco naquela noite, duas ou três horas, entre soluços de choro e lamentos. Lucinda ainda era jovem demais para entender que eles não poderiam fugir, e mesmo Lucas passou horas armando um plano de fuga ou um meio de enfrentar os cavaleiros e salvar sua irmã, como um herói que salva uma donzela em perigo. Para a infelicidade de todos, não havia mais nada a ser feito. Mesmo se fugissem, logo eles os encontrariam. A Rainha era a dona de todas as terras do reino e sua vontade era a lei.
Antes que ela pudesse perceber, os primeiros raios de sol beijaram o rosto de Jennifer, atravessando a janela aberta de onde olhava os guardas vigiando o local para garantir que eles não fugiriam. Ela foi até a cama de sua mãe depois de um suspiro para despedir-se desde já, pois talvez ela desmaiasse novamente quando viessem levá-la para o castelo.
- Mamãe, está acordada?
- Como posso dormir quando sei que vão arrancar mais um filho de mim?
Jennifer quase riu pelo fato de que ela desmaiava com tanta facilidade e ainda assim tinha problemas para dormir.
- Eu vou ficar bem, mãe. Eu só... Pense nisso como se eu fosse contratada como empregada ou arrumadeira.
- Você é tão jovem, minha pequena – Maria, ainda deitada, levou a mão até o rosto da filha, acariciando sua maçã do rosto. – Você não faz ideia de como é ser uma serva da realeza. Eu já ouvi muitas histórias. Servo é uma palavra mais sutil que os nobres usam para escravo. Eu conheci uma mulher que foi escravizada por um nobre de Larik. Ela tinha suas costas marcadas por chicotes, seus dedos cheios de cicatrizes, seus pés com calos constantes, seu corpo sempre cansado. Sei que Larik e Torinn são sempre conflitantes e são diferentes, mas um escravo é um escravo. Nada de bom virá disso.
Jennifer se manteve em silêncio. Ela sentia a dor da mãe ao pronunciar cada palavra. Sem dizer mais uma palavra, ela foi conferir sua bagagem para ver se não se esquecera de nada. As poucas roupas que tinha estavam dobradas em uma bolsa, junto com alguns pertences – escova de cabelo, creme caseiro para cuidar da pele e alguns retratos feitos à mão de sua família.
Em seu pescoço estava pendurado o seu bem mais precioso: um colar prateado com um pingente em forma de lágrima, dado a ela por sua mãe no dia de seu nascimento, que foi herdado por ela de sua avó, que por sua vez herdou de sua bisavó. Ela segurou o pingente e apertou contra o peito.
O sol ganhou o céu, já era manhã. Jennifer e a família saíram da hospedaria e aguardaram a carruagem da Rainha chegar.
- Eu vou dar um jeito de te trazer de volta – Disse Leonard. – Eu vou trabalhar duro todos os dias até conseguir dinheiro suficiente para comprar sua liberdade. Eu não vou descansar até...
- Pai, está tudo bem – Ela o consolou e o abraçou.
O som dos cavalos se fez ouvir não muito longe, e eles perceberam que já era chegada a hora. Vários cavaleiros montados vinham cercando a carruagem, e ela parou frente à família. Foi quando o cocheiro disse:
- Senhorita, Sua Majestade, a Rainha Charlotte, está a sua espera.
Ele desceu da carruagem e abriu a porta. A própria Rainha saiu pelos degraus do veículo, mas dessa vez com roupas femininas, um vestido de gala verde, com babados brancos na bainha e nas mangas. Seu cabelo estava amarrado para trás, ressaltando os belos traços de seu rosto.
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A Serva de Charlotte
RomanceJennifer é uma jovem do interior que é obrigada a sair de sua vila com sua família por causa dos incessantes conflitos territoriais nas fronteiras do reino de Torinn, e acaba por chegar em uma cidade próxima a capital. Lá, tentando ganhar a vida com...