Parte um: um suposto...

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Em algum espaço tempo que não convém citação, havia um homem sentado em sua cadeira de balanço e sua paz total no prazer que sentia em ouvir seu jornal, indo e vindo com o vaivém. O vento tocava-lhe o rosto de maneira a acariciar, e isso o fazia lembrar-se da irmã. Ele a amava com demasiada saudade.

Este homem tinha um cachorro, qual ele o nomeou como Mariazinha. É estranho se citado a masculinidade do animal, mas Maria era o nome da irmã. Era a maneira como o sujeito arrumara para mantê-la presente.

— Joel — um dia sua mãe lhe chamou pelo segundo nome, e ele sabia que era algo exorbitante quando ela o fazia. — É a sua irmã... ela sumiu, e... e... meu Deus, eu nem sei como dizer.

O resto da história ele gostava sempre de esquecer. Diziam que era seu mecanismo de defesa quem o fazia por ele, mas Leonel afirmava que ele mesmo quem o escondia de si. Que sabia estar em algum lugar dentro dele, bastava vasculhar e encontrar.

A cadeira ia e vinha, Maria o acariciava em forma de vento, e como um clone fantasmagórico, Mariazinha latia no fundo do quintal. Sua mãe chegaria naquele anoitecer, e Leonel Joel não sabia se amava ou detestava aquilo, devido à ocorrência de fatos que se deve seguir. A mulher era uma política, e amava falar sobre o assunto. Fizera mil promessas quando Maria sumira, mas, como de costume do pessoal que se envolve nesta carreira, mentiu.

Seu jornal lhe contava diversas histórias, e ele as ouvia com bastante atenção.

— Homem acusado de roubar uma relojoaria é preso uma semana após o ato — disse o jornal. Essa foi uma das coisas que aconteceram que mais chocou a humanidade, foi bem fácil notar. "Cada vez mais o homem diminui sua frequência de leitura", disse um certo alguém com razão uma vez, então criaram uma espécie de jornal que venderia as notícias com imagens e com áudios gravados, a maior dificuldade foi mantê-lo em formato de folha. Quiseram assimilar com os jornais da J. K. Rowling da sua série de livros mais famosos que o mundo: Harry Potter.

Joel apertou para tocar em outra notícia. Não que ele gostasse das tragédias, mas é que ele estava esperando sua mãe. Preferia beber, mas precisava estar sóbrio, como ela mesma pedira em ligação.

— Mulher é agredida em um beco e suspeitos escapam ilesos.

Apertou em outra notícia:

— Homem vestido de mulher é caçoado e humilhado em frente uma igreja.

Deus... Joel quis rir do nome, mas ele assume não tê-lo feito. Não daquela vez.

Olhou bem para a imagem da próxima reportagem, seus olhos quase encheram por um curto momento. Quase optou por pular, não o fazia bem. Apertou "Som", e então começou a voz da jornalista responsável pela notícia.

— Um fazendeiro afirma ter visto uma grande luz clarear o céu em uma madrugada — em seguida uma outra voz apareceu para dublar a fala do cujo fazendeiro. — Eu posso jurar pela graça de Nossa Senhora de Aparecida que eu o vi, era branco como um flash de câmera, sabe? Bem forte mesmo, e então desapareceu. Eu pensei ser um relâmpago ou qualquer coisa parecida, mas quando fui para o lago no outro dia... Céus, lá estava ele, um homenzinho deformado e choroso. Suas pernas não se mexiam, e seus braços pareciam fracos demais para rastejar por aí.

Leonel apertou em "Parar". Aquilo era ridículo e ele não precisava ouvir. Joel afirma ter passado dez anos após os ocorridos, mas ainda era presente.

Mariazinha passou latindo, correndo atrás de algum mosquito, talvez.

Ele viu muitos outros tópicos até que sua mãe chegasse, apenas não concluiu a última mencionada.

Uma luz forte veio do céu, do lado esquerdo, na estrada aérea baixa 345 e iluminou toda a varanda da casa da fazenda Solitária. O lugar era conhecido como Feliz Espaço há algum tempo antes, e servia para pessoas passarem finais de semana em grupos, mas Joel quis comprá-la, como previsto, porque Maria amava aquele lugar. Mas o nome...

A cerca envernizada reluziu o tom amarelado, o vidro da janela cilíndrica ofuscou a luz do outro lado, na cortina grosseira. As plantas esverdearam-se de felicidade, e as gramas abriram espaço para o pouso do carro-táxi como os vassalos faziam com seu rei há muitos e muitos anos. Os olhos de Leonel Joel, como sempre, doeram com o clarão.

O cão Mariazinha latiu e rosnou para o veículo que voava em sua estrada aérea baixa entre os pedestres e os aviões em suas estradas altas. A criatura parecia compreender o que estava a suceder com demasiado apreço. Joel ensinara com bastante eficiência.

— Infernos existam e me busquem — amaldiçoou-se. — Por qual maldito motivo estou sóbrio? Diabos! — a mãe saiu do carro e veio em sua direção enquanto o táxi voltava para sua rota na estrada aérea baixa 345. — Mãe! — ele a saudou com um aceno.

Mariazinha correu na direção da mãe de Joel e pulou em suas pernas, jogando o sobretudo de um lado para o outro, balançando o rabo, brincalhão, talvez. Ela continuou seguindo a estrada de britas cercadas de pequenos arbustos podados, com Mariazinha cheirando seus calcanhares. O pobre do cachorro só queria atenção.

Joel ainda estava com o jornal na mão, embora preferisse bastante bem uma garrafa de rum, vodca, cachaça, qualquer coisa que o deixasse embriagado.

— Mãe — ele voltou a dizer enquanto observava o carro voador seguindo a 345.

— Joel, não vim para ver você — disse ela subindo as escadas de madeira envernizadas.

— Estou sóbrio, vá com calma — pediu.

Mariazinha latiu como se falasse: oi, mamãe.

— Não tenho tempo para isso, Joel. É sobre sua irmã, finalmente temos um suspeito, ou um suposto...

Joel e MariaOnde histórias criam vida. Descubra agora