Capítulo 2

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  II





Os pensamentos de Ramiro dentro do camburão, como são conhecidas as viaturas ultra desconfortáveis destinadas ao transporte de presos no Brasil, serviu como fuga para o sofrimento: "Ah, Belinha! minha deusa inspiradora de bons pensamentos, meu abrigo contra qualquer tormenta! Te amo para sempre, meu amor!" Dentro do camburão ele pensava na namorada como se fosse um navio que há muito partiu. Belinha era o único remédio contra inúmeras violências. A doçura da lembrança do passado era intercalada com um sentimento de culpa: "Eu estraguei tudo! Nunca mais vou poder ver minha princesa! Se voltar lá, ou vou matar ou serei morto! Acabou nosso namoro!"



Ao desembarcar no centro de triagem, um agente penitenciário ordenou que o preso tirasse toda a roupa para revistá-lo. Ramiro obedeceu calado. O agente penitenciário perguntou nome, endereço, profissão etc. Ramiro não respondeu nada. Ele foi conduzido até outra cela com outros presos. O agente penitenciário o advertiu:



— Se você continuar a não responder o que eu te pergunto, você vai "arranjar pra cabeça", ladrão!



Dentro da cela ele ficava calado o tempo todo, era misterioso, intrigante... Os presos que tentavam conversar com ele obtinham apenas respostas curtas e evasivas.



Horas passaram e ele foi convocado a sair da cela e acompanhar o agente penitenciário até a sala de cadastro prisional. Onde é feito o registro das impressões digitais, foto, altura etc. Nesse tipo de ambiente o ser humano cataloga o próprio ser humano. Não muito diferente do que é feito com um boi em uma fazenda.



Antes de entrar na sala de biometria e foto, Ramiro foi mais uma vez advertido por um agente:



— Se você não responder às perguntas, vai pro latão, ouviu?



O "latão" é a cela escura e geralmente solitária onde os réus sofrem castigo.



Havia mais dois presos na fila para fotografia e registro de digitais no scanner. Ramiro continuou quieto o tempo todo. Havia naquela sala apenas o fotógrafo catalogador e um carcereiro. Ao chegar a vez dele o fotógrafo ordenou:



— Encoste a cabeça na parede.



Na parede estavam pintados vários números para que ficasse registrada a altura do preso. O fotógrafo estava regulando o tripé fotográfico e, quando foi acoplar a câmera na base, Ramiro de súbito a arrancou da mão do fotógrafo. A câmera foi arremessada contra o chão, sendo quebrada em vários pedaços. Em seguida quebrou o computador e o scanner para digitais.



O chefe de segurança do centro de triagem ficou furioso com os agentes:



— Como podem vocês, seus incompetentes, deixarem este louco quebrar tudo?!



Os carcereiros deram uma surra nele e o conduziram à cela castigo. No dia seguinte era dia de visita dos presos que ali estavam por medida de segurança em relação aos outros presos (ex-policiais, delatores, advogados, empresários que receavam convívio com bandidos, estupradores etc.).



Ramiro aproveitou a fragilidade da ocasião e entupiu o vaso sanitário com um pano de chão imundo, apertou a descarga e fez transbordar água por todo o centro de triagem, um ambiente de apenas um corredor (galeria), com vinte celas com uns cinco presos cada. Foi água por todo lado, provocando uma confusão generalizada.



O chefe de segurança foi categórico:



— Tirem este louco daqui! Mandem ele pra Casa de Custódia ou pra qualquer cadeia que tenha vaga! Vamos! Agora! Não vou tirar foto desse cara. Esse lixo é só um ladrãozinho de rodoviária.



No mesmo dia o réu Ramiro, após ser espancado mais uma vez, foi para a Casa de Custódia de Curitiba, um presídio de segurança máxima localizado no bairro da Cidade Industrial.


Um Réu DiferenteOnde histórias criam vida. Descubra agora