Capítulo 4

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GIORGIO

Quando Giorgio Floris sentou-se na cadeira acolchoada à frente do reitor, sua garganta secou; sua mente ancorada em um deserto.

Faltando apenas alguns dias para as aulas começarem, ele já estava começando acreditar que haviam de fato esquecido de sua presença. Fizera tudo de forma perfeita. Não chamou atenção, passou despercebido por onde ia. Ficou a maior parte do tempo em seu dormitório, trocando o menor número de palavras possíveis com seu colega de quarto, que parecia não se incomodar com sua profunda taciturnidade e silêncio. Parzival também tinha sua parcela de introspecção, mas parecia bastante atento para detalhes e extremamente focado em seus livros. Gio não tinha do que reclamar até ali. Porém naquela noite, quando três batidas na porta de seu quarto foram ouvidas, ele soube exatamente que tudo mudaria.

Um guarda do campus, vestido em sua farda tradicional em vermelho e azul o esperava.

— O senhor Mago Reitor gostaria de sua presença em seus aposentos imediatamente, Senhor Floris.

Parzival provavelmente fingiu que não ouvira, pois não havia tirado os olhos de seu livro "Transmutação Básica I". Giorgio assentiu e acompanhou o guarda em silêncio pelos portais e o que pareciam infinitos lances de escada. Ao chegar na sala da reitoria, pensou em estar diante de um rei. Quadros de pessoas importantes e imponentes enfeitavam sua parede de madeira escura, tapetes persas se espalhavam pelo chão como um campo vertiginoso de tons vermelho e preto. Liev Krasimir acompanhava a composição com seu traje oficial luxuoso de Mago Reitor, seus cabelos negros e oleosos colados em sua testa. Seu rosto estranhamente jovem,  imponente e anguloso, de traços eslavos enfatizados, pareciam transbordar em Giorgio sentimentos que ele nunca tivera a intenção de cultivar. Ele simplesmente sentia o mundo desabar, diante do homem que segurava o seu destino na ponta dos dedos.

Porque, de todas as pessoas, Krasimir era quem decidiria o seu futuro?

— Eu tô fora? - ele questionou sem rodeios, apenas para observar o reitor soltar um riso baixo e seguir em direção ao balcão de bebidas.

— Não, Floris. Nada disso. Aceita algo do bar?

Gio respirava pausadamente.

Se controla.

Lembre de todo seu treinamento.

— Água.

— Ótimo. - Krasimir voltou a se sentar, servido de dois copos de água. Entregou um a Giorgio, que fazia de tudo para manter as mãos estáveis, sem tremer. Era tão difícil quanto respirar como alguém que não está prestes a ser expulso, sem nem ao menos conseguir ver uma única aula em Daalrosia.

O reitor Krasimir repousou ambas as mãos logo abaixo do queixo e observou o primeiro-anista com curiosidade, sua cabeça levemente inclinada como alguém que inocentemente analisava um objeto curioso.

— Então... você se recusou a fazer o teste do cetro.

Giorgio engoliu em seco.

Lembre-se do seu treinamento. Fique calmo.

— Sim. - Gio voltou a sorver a água do copo, em um pequeno gole que quase não ajudou em nada com a secura de sua boca.

Krasimir, pelo contrário, parecia se divertir.

Maldito.

— Gostaria de compartilhar o porquê?

— Por que eu sei - e o senhor também sabe - o que vai ser.

— Oh. - ele selou os lábios com as mãos, como se tivesse escutado algo engraçado e não pudesse rir. — Você tem medo?

— Não. - Gio tentou soar o mais firme possível. — Eu só não quero fazer na frente de todo mundo.

Grim Grimoire Vol. 1 - Os Bruxos de DaalrosiaOnde histórias criam vida. Descubra agora