Ano de Nosso Senhor de 1563,
Cidade de Paterno, Ilha de Sant'Ângelo.
O jovem Joseph andava por entre a multidão na feira da praça principal de Paterno, a procura de sua velha amiga Teresa Prado.
Passou correndo por entre os cambistas e as barracas coloridas que enfeitavam a praça no final de primavera.
Subiu apressado as escadarias da igreja do mosteiro de Santa Maria de Paterno, olhando com atenção para a praça e todos aqueles que por ela passavam. Procurava uma jovem moça de cabelos castanhos-claros e olhos verdes. Nessa época ela costumava usar muitos vestidos da cor verde-mar, mania que ele conhecia desde que eram crianças e brincavam nos pomares da lateral do convento.
-Joseph! Joseph! – uma voz rouca lhe chamava em uma das janelas do piso superior do convento, ao lado da igreja.
O jovem fechou os olhos e suspirou baixinho. - ah, não.
-Fale, Frei Raniero! – Olhou para cima com um sorriso forçado.
-Ah, já comprou na feira o que eu lhe pedi?
-Ah! Já ia... é...
-Ótimo, vá logo pois precisamos de comida para o almoço. Vá no mercador espanhol da outra rua, as verduras dele são mais frescas.
-Tudo bem! Já estou indo... – Ele olhou novamente para a multidão a procura de Teresa.
Viu ela próxima a entrada da rua onde ficava o mercador espanhol, passeando com a cesta na mão.
Correu por detrás das barracas o mais rápido que pode, tentando alcança-la.
Tropeçou no meio-fio a poucos metros da bela dama de verde, que estava de costas olhando um tecido em uma banca. Tentou disfarçar se encostando na parede ao lado para não cair.
-É... –respirou ofegante- oi.- demonstrou um pequeno sorriso sem graça.
Ela, sem olhar diretamente para ele, apenas deu uma risada e disse:
-Foi difícil de me achar dessa vez?
-Hoje não. O seu vestido sempre te entrega.
-Meu vestido? Por que?
-Você sempre usa verde na primavera, então...
Ela olhou para ele e riu.
-Você me conhece mesmo, em...
-Sim –ele sorriu- Comprou o que eu te pedi?
Ela olhou por debaixo do pano que cobria a cesta.
-Sim. Mas na próxima vez não se esqueça, em! Não queremos levar outro sermão do frei.
-Ah, ele nem vai descobrir.
-Descobrir o que? Que você ficou jogando a manhã inteira com filhos dos comerciantes ao invés de comprar a comida para o convento?
-Foi só umas duas vezes...
-Duas vezes só essa semana! – Ela lhe deu um tapa no ombro- E olha que hoje só é quarta feira.
Ele revirou os olhos e a encarou. Após uma breve pausa, ambos riram, como sempre. Eram amigos desde crianças, se conheciam das brincadeiras nos jardins do convento e das fugas das aulas dos frades.
Os pais de ambos eram grandes doadores de mantimentos para os franciscanos do convento. Além de que ambos tiveram aulas de latim, história e aritmética com o Frei Raniero.
-Acho que vou indo, meu pai disse que tem uma reunião importante hoje e quer a minha presença.
-Ah, sim... Boa sorte então. O frei vai me matar se eu não levar isso para a cozinha antes do almoço
Eles sorriam por uma última vez antes de se partirem cada um para o seu destino.
Joseph sempre seguia o mesmo caminho até o convento: Passava pelas mesmas barracas, na frente das mesmas casas, na lateral do mesmo chafariz florentino, seguindo pelo mesmo circo itinerante, passando pelas mesmas pessoas, até a mesma porta de cedro que dava acesso ao interior do convento.
Mas neste dia acorreu algo diferente.... Ao passar pela multidão próximo ao final da praça, jurou ter visto entre as várias pessoas que esbarravam nele um frade com o capuz cobrindo a cabeça. Um frade... estranhamente familiar.
Olhou para trás para ver se conseguia ver quem era, mas o religioso desapareceu no meio dos comerciantes e habitantes da pequena cidade que por ali transitavam. Mas não antes de deixar cair algo no chão bem aos seus olhos...
Joseph correu para ajuntar o estranho objeto devolve-lo ao frei. Pegou o pano que havia caído. Este continha... uma adaga em seu interior...
Arregalou os olhos e olhou em volta apressado. Se alguém sem noção visse aquilo poderiam ocorrer acidentes na multidão... Ladrões de mercadorias eram comuns nessa época. Poderiam usar a arma para fins... no mínimo trágicos.
Mas ninguém deu atenção a adaga, nem ao jovem que a tirava da bainha. A guardou-a na sesta e seguiu o seu rumo, pensante.
***
Ao chegar ao convento, bateu na porta e foi atendido por um frei gorducho e baixinho, rabugento, porém muito piedoso.
-Ah, ande rapaz, entre logo que precisamos dessa comida para ontem!
-Também é um prazer revê-lo, Frei Tomás.
-Prazer seria te ver mais nas missas de manhã, menino. Ao invés de ficar correndo pelas sarjetas com os vadios...
Joseph sorriu sem graça e apressou o passo pelo interior do convento até a área de serviço, onde se deparou com Frei Raniero logo na entrada.
-Estava demorando... Trouxe tudo?
-Sim... Eu estava... é...
-Sim, conversando com a filha dos Prado, não é? Eu vi pela janela.
Frei Tomás segurou uma risada debochada, sem tirar os olhos das verduras que estava cortando.
-É... – Deu uma rápida olhada para ele- sim, nós acabamos nos encontrando na praça...
-Ah, sei... Deixe as coisas encima da mesa.
-Espere, mais uma coisa... – olhou rapidamente para dentro da cesta, para a adaga enrolada em pano – havia algum irmão na praça hoje, agora pela manhã?
-Que eu saiba não – respondeu o Frei Tomás rapidamente – E vá logo menino, pelo amor!
Frei Raniero nada disse, apenas seguiu para o corredor.
Enquanto tirava as coisas de dentro da cesta pensativo, Frei Raniero apareceu ao seu lado e disse-lhe baixinho:
-Depois vá para a minha sala, sua mãe e eu queremos falar com você.
Ele apenas assentiu, pensativo enquanto olhava sem foco para os legumes a sua frente.
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As Crônicas de Sant'Ângelo- O Anjo, a Espada e o Rei.
FantasyJoseph acreditava ser apenas um jovem qualquer de uma cidade no interior de um distante país europeu no meio do mediterrâneo. Mas a antiga profecia de um bispo ecoava na história da grande Ilha de Sant'Ângelo: De que um rei surgiria para combater...