Tempestade

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Naquele dia Alice estava mais confusa com os seus sentimentos do que nunca. Lembrou-se do dia anterior, da briga que teve com Jonas. Sim, podia chamar de briga, teve todos os elementos de uma: os gritos, as ofensas, os julgamentos, dedo na cara e até puxão no braço. Ela teria recuado se houvesse sentido medo dele, medo de que em algum momento ele fosse de fato violento, mas de alguma forma confiava que não o seria, que por mais que ela testasse a paciência dele ao máximo, e sim, ela soube como fazer isso desde o primeiro dia, mesmo assim, ele não seria o bruto que sempre aparentou.

Pensou que sua opinião estivesse errada quando, ao botar o dedo na sua cara pela terceira vez, ele segurou o braço dela com força. Mas, na fração de segundo em que a tocou, aparentemente com rudeza, ambos sentiram algo diferente. Ela olhou a mão que lhe segurava o punho, ele fixou o olhar na sua boca, agora tão próxima, como nunca antes havia estado, e ali, naquele segundo, esqueceram o porquê da discussão, da discordância, das birras um com o outro, tudo. Sua mão já não lhe segurava com tanta força, ela já não sabia do que lhe acusava, e, em meio à respirações entrecortadas, e num impulso que surpreendeu aos dois, ele a puxou pela cintura contra si, e ela instintivamente pousou a outra mão sobre seu peito. E ali, a centímetros um do outro, ansiavam pela boca, pelo beijo.

A sensação que percorreu o corpo de Alice no momento em que o braço forte de Jonas lhe envolveu não saía da sua cabeça, e todas as vezes que recriava o momento sentia tudo outra vez, e outra vez, era deliciosamente torturante, ali, absorta na eternidade dos breves instantes em que suas bocas quase se uniram. Quase.

Só havia uma coisa no mundo que poderia acalmar seu coração naquele dia, e não era o trabalho, nem um cigarro, embora tivesse tentado os dois desde que, convencida de que não pegaria no sono, levantou da cama às cinco da manhã. Já passavam das oito quando pediu ao vaqueiro que selasse o Barão.

Barão não era um cavalo comum, disso ela sempre soube, mas naquele dia podia jurar que sentia a sua angustia, seu desatino. Estava arisco, corria mais rápido, saltava sem vacilar os galhos da tortuosa trilha do rio por onde ela cismou de ir. Os corações da amazona e do seu alazão pareciam bater no mesmo ritmo do destempero e da dúvida. Ela precisava de ar, e Barão parecia disposto a ser mais veloz do que ele mesmo, então, quando chegaram à margem, nem ela nem o cavalo pensaram duas vezes ao atravessar o rio, ignorando completamente a trovoada que se formava à frente.

~

A ultima coisa que Jonas queria naquele dia era ir até a fazenda Salgueiro, pois não sabia como encararia Alice depois do dia anterior. O que ela estaria pensando? que atitude tomaria? se é que tomaria... ou fingiria que nada aconteceu? no entanto, precisava pegar suas coisas e entre elas alguns arreios que necessitava para o treino de logo mais. Saíra tão desnorteado que esquecera tudo na baia. Com sorte, no entanto, não veria Alice, ou até mesmo não veria ninguém.

Assim como ela, também não tirava aquele momento da cabeça, na verdade, aquilo só serviu para provar o que no fundo seu coração já sabia. Ele a queria, provavelmente a quis desde o primeiro dia. A queria tanto que sufocava, doía. Mas como ousaria mostrar para uma mulher como ela, melhor que ele em tantos níveis, que a desejava sem parecer desrespeitoso, atrevido, ou até mesmo sem noção. Afinal, ela era quem era, e ele um vaqueiro sem eira nem beira, tentando a sorte por ai, que nunca estudou e nem sabia falar direito, principalmente quando estava do lado dela. Pelo amor de Deus, quem ele pensava que era!

Mas sozinho, ali, no conforto do seu íntimo, se permitiu pensar que por um momento ela também o queria, que por um segundo suas respirações falharam pelo mesmo motivo, que o fato dela ter se apoiado em seu peito não foi apenas um reflexo, mas desejo de estar mais perto assim como também a desejava.

Os fortes relâmpagos que cortaram o céu por todo o dia se tornaram mais frequentes acompanhados pelos trovões cada vez mais fortes, mas nada disso atingia a Jonas, apenas o barulho do seu coração batendo mais forte quanto mais se aproximava da fazenda. A chuva o pegou quando já passava pela grande porteira, mas deixou-se molhar, pois foi para ele como um presente do céu para afagar a chama que queimava em seu peito cada vez que as lembranças se tornavam mais vivas em sua memória.

Chegou perto das 15 hrs, e logo que se aproximou da grande varanda que circundava a casa principal pode perceber uma movimentação estranha, um entra e sai de gente, e não demorou muito até que uma viatura se aproximasse trazendo o delegado no banco do carona. Jonas ponderou se deveria se aproximar, mas acabou sendo vencido pela curiosidade. Ao se aproximar pôde avistar dona Cecília sentada em uma poltrona dentro de casa parecendo desolada, e João logo se apressou para encontrar o delegado que agora já adentrava a casa. A única pessoa que estava mais próxima era Adriano, o desgraçado do Adriano, mas não havia outra forma, tinha que perguntar:

-Ei!

Adriano tentou ignorá-lo sem sucesso.

-Ei, eu to falando é com você!

-O que você quer?

-O que aconteceu ai?

-Não é de sua conta! Ou você acha que agora só por que monta no Barão tem direito de se meter na vida de dona Alice?

-Dona Alice? O que aconteceu, onde ela esta? - Jonas não conseguiu esconder a preocupação na voz.

-Já disse que não é de sua conta e eu não quero conversa com você! - falou Adriano já se preparando para se afastar quando foi puxado por Jonas pela gola da camisa.

-Escuta aqui desgraçado - falou tentando ao máximo não chamar atenção - você já esqueceu do murro que te dei? você quer levar outro bem no meio da cara aqui mesmo, quer?

-Vem otário, me bate na frente do delegado, tô doidinho mesmo que você faça alguma merda pra acabar de vez com essa sua pose !

-O que se passa aqui? - soou a voz firme de João quando Jonas já começava a perder a paciência- hoje não tenho tempo pra ficar separando birra de vocês dois não. Jonas, chegue aqui, estamos precisando de ajuda.

Jonas soltou Adriano com um empurrão e com uma carranca acompanhou João para o interior da residência.

-Desculpe, João, eu sei que ele é seu filho, mas meu pavio é curto.

-Sobre isso eu converso com você outra hora! - João estava com cara de poucos amigos.

-O que está acontecendo ? - perguntou Jonas olhado para dona Cecília.

-A Alice, meu filho, ela saiu cedo e não voltou mais, e agora no meio dessa trovoada... ninguém a viu desde então e ficamos sabendo que o rio transbordou lá em cima.

Jonas sentiu o coração parar por um segundo.

-Mas saiu como? pra onde? de que?

-Ela saiu com o Barão para cavalgar como sempre faz, mas já andei por ai com os meninos e nem sinal dela, acho que ela saiu da propriedade talvez atravessou o rio- respondeu João sério, com cara de preocupado.

-Enfim, queremos começar as buscas antes do anoitecer, mas meu contingente é pequeno e quanto mais ajuda melhor, queremos saber se você concorda em ajudar a procurar dona Alice ? - Foi a vez do delegado lhe falar.

-Agora mesmo, delegado. Mas se ela saiu por dentro da fazenda e a cavalo, acho melhor também ir montado, a moto não vai me ajudar mais do que a vocês de carro pelas estradas.

-Eu concordo! - falou João - tenho dois cavalos selados e posso providenciar mais, pegue um deles e vá!

-Leve algumas roupas secas em uma sacola, comida e um kit de primeiros socorros, lanterna e tome aqui um comunicador - falou o delegado lhe entregando o aparelho e logo Ana começou a providenciar o restante das coisas - eu e os homens vamos percorrer as estradas, vocês montem nos animais e percorram a fazenda até o rio e nos mantenham informados, caso a noite caia e não a encontremos, chamarei o contingente das cidades vizinhas para ajudar.

A chuva caia forte quando Jonas terminou de apertar os arreios do cavalo que o esperava, mas, antes que montasse, ouviu um burburinho e correu para ver o que acontecia.

-É Barão! Ali, é o Barão! - gritava a molecada na porteira do curral.

Jonas avistou um cavalo selado completamente enxarcado se aproximando pelo pasto de baixo, mais que depressa montou no outro animal e correu de encontro a ele, se tratava mesmo de Barão, mas estava sozinho sem sinal de Alice em parte alguma, o cavalo voltara para casa!

Ao ver o animal dona Cecília se desesperou ainda mais e diante daquele fato jonas não esperou nem mais um segundo, desceu do cavalo que estava e montou em Barão, convencido de que o cavalo o levaria pelo mesmo caminho que viera. Acharia Alice, e ela estaria bem, ela tinha de estar bem!

O CampeãoOnde histórias criam vida. Descubra agora