Capítulo 1

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Dois meses antes...

Alice Santiago é aquilo que podemos chamar de um mulherão da po*ra, livre, forte, independente, safa, inteligente, além de ser muito bonita. Características que ela carrega desde muito jovem e que hoje, no auge dos seus 37 anos, só se aperfeiçoaram. 

Dona da fazenda Salgueiro, uma das maiores fazendas de gado e melhoramento genético da região, trabalha no que gosta e por escolha própria. Dá seu sangue pela fazenda e pelos seus negócios e ai daquele que se colocar no seu caminho. Alice é advogada de formação, porém deixou de exercer a profissão muito cedo, se mudou para o interior e comprou a fazenda Salgueiro com a herança de sua mãe e as economias que fez quando trabalhou num famoso escritório de São Paulo. Diziam que ela era um verdadeiro talento, uma fera nos tribunais, por isso todos que a conheciam ficaram muito surpresos quando ela abandonou tudo e se mudou pro "fim do mundo no meio dos bois". 

Porém, a decisão tomada por Alice não foi de todo surpreendente pra quem a conhecia de verdade. O seu avô materno tinha um pequeno sítio onde criava vacas leiteiras e onde Alice passou muito tempo da sua infância. Fora seu avô que despertou nela o amor pela vida simples do interior, aquela vida aparentemente monótona, mas onde as pessoas eram de verdade, a relação com a natureza tão mais próxima e os dias tão mais significativos. 

Então, quando tudo que acreditava na sua vida se esvaiu diante dos seus olhos, Alice não pensou duas vezes em procurar um lugar onde viver pudesse ter significado outra vez. No começo as coisas foram difíceis, colocar uma fazenda tão deteriorada pra funcionar e bem exigiu dela muito trabalho, mas disso ela não tinha medo, e sabia como ninguém, não precisou de muito tempo para fazer seus investimentos renderem frutos. 

Pra quem a via de longe, no entanto, Alice era uma mulher solitária, sem família e amigos, mas ela não pensava assim. Todos os seus funcionários eram como sua família, mas com o afastamento necessário para que não se tornassem inconvenientes - coisa que toda família deveria ter para funcionar, pensava ela-. Seus funcionários estavam ali para o que ela precisasse, e ela também por eles. Tinha a família do administrador, cuja esposa era governanta da sede. Dona Cecília, que fora babá de Alice, a quem tinha muito apreço. Dona Cecília não tinha filhos, mas das crianças de quem cuidou Alice era a quem mais amava, por isso não pensou duas vezes quando foi convidada para morar consigo na fazenda, decisão que hoje ela considera a mais acertada. E tantos outros funcionários que, cada um com sua história com a fazenda e com Alice, a admiravam e respeitavam demais, muitos como ela, sem familiares próximos, que davam o sangue pela fazenda e tudo que ela significava.

A criação de gado e pesquisa em melhoramento genético era o cerne da fazenda, o negócio principal, mas o que Alice mais amava era a criação de cavalos de raça pura. Amava aqueles animais, e, se pudesse, se dedicaria exclusivamente a eles - quem sabe um dia - ela pensava. 

~

Naquele dia Alice acordou cedo, tomou um café bem forte como de costume e tentou não fumar um cigarro, só tentou pois no final acabou se rendendo. Ela reconhecia que estava deixando se levar demais pelo vício, mas sabia que naquela hora do dia, ainda mais acompanhado de um café, o cigarro era quase que vital. Uma pena!

O dia seria cheio e tinha muitos negócios pra resolver, por isso muito cedo já chamava por Agnaldo, seu vaqueiro. João, o administrador da fazenda já estava no escritório cuidando dos recibos e se apressou em avisar que Agnaldo já havia partido para buscar os animais e deixá-los no curral, prontos para embarcar. No último leilão, Alice havia vendido um lote do que ela considerava o que melhor sua fazenda tinha a oferecer, 12 bezerros da melhor linhagem de gado nelore, fruto do investimento em melhoramento genético dos últimos anos. A venda direta dos animais seria um passo importantíssimo para colocar a fazenda Salgueiro no rol das melhores do ramo. 

Alice se sentiu satisfeita quando viu os animais pastando pelo curral esperando apenas o transporte. Iria passar o resto da manhã com João no escritório revendo alguns contratos para, durante a tarde, participar de uma reunião com a equipe de veterinários. 

Depois de almoçar, quando se dirigia ao galpão do laboratório, percebeu uma movimentação estranha no curral, a princípio, pensou que o transporte houvesse chegado, mas não havia nenhum caminhão por ali. Decidiu então ir até lá e chegando, percebeu os bois sujos e agitados.

- Agnaldo, o que aconteceu aqui? - perguntou surpresa ao visivelmente angustiado vaqueiro.

-Do-dona Alice, eu só cheguei depois  - respondeu tirando o chapéu da cabeça.

-Depois de quê homem de Deus?

-Depois que os moleques já tinham agitado as rês.

-Agitando meus bois? - Gritou Alice sem acreditar no que estava ouvindo - O que é isso? Quem estava aqui? o que estavam fazendo? 

- Do-dona Alice, e-eu fui com o resto dos meninos terminar de fechar a cerca quebrada lá no pasto de baixo, os bois estavam pastando aqui esperando o transporte, parece..parece que uns moleques chegaram aqui e ficaram.. ficaram brincando com os bois, a senhora sabe moleque como é, agitando os animais por brincadeira. Quando foram me chamar e eles me viram chegando, saíram correndo eu não vi quem foi. 

Alice não acreditava que aquilo estava acontecendo, como uma meia duzia de moleques faz aquilo na sua fazenda e ninguém vê ou faz nada. Porém ela sabia que assim como estava com um dia cheio, todos também estavam cheios de afazeres e entendia que uma vez estando os bois presos no curral, Agnaldo tinha de cuidar de outros serviços. 

Mas independente de qualquer coisa os bois não podiam ser entregues ao comprador daquele jeito. Ligou então para o dono da empresa do frete, seu amigo de anos, e articulou com ele uma forma de atrasar a entrega pro dia seguinte sem que ela fosse responsabilizada, depois se concentrou única e exclusivamente em encontrar os filhos da mãe que fizeram isso debaixo do seu nariz. Que desrespeito!

~

Um par de horas antes do ocorrido, Jonas Xavier passava pela estrada da fazenda Salgueiro quando viu uns conhecidos sentados na porteira do curral. Resolveu então parar para um dedo de conversa.

-Ei, Jonas, você diz que é vaqueiro macho que bota qualquer boi no chão, mas quero ver você ficar 8 segundos em cima de touro bravo - desafiou um deles.

Rindo, Jonas respondeu - Meu negocio é vaquejada, abestalhado, não é rodeio não. 

Então um deles disse que era mais macho que todos e conseguiria ficar não oito, mas quinze  segundos em cima do touro. Outro então falou que conseguia 20 e assim começou uma brincadeira de ver quem conseguia ficar mais tempo em cima do touro, só que os touros eram os bezerros de Alice que esperavam o transporte. 

Vendo aquela brincadeira boba que só agitava os animais, Jonas os alertou, mas como não lhe deram ouvidos, decidiu tomar seu rumo e se despediu. Na saída, no entanto, cruzou com Adriano Santos, um rapaz com quem teve desavenças ainda na escola e que era filho de João, o administrador da fazenda. Ambos trocaram olhares de poucos amigos e seguiram o caminho. O que Jonas não sabia era que em pouco tempo chegaria aos ouvidos de Alice que Jonas, filho de Nonato Xavier, seria o responsável por agitar os animais junto com aqueles seus amigos e também paus-mandados.

 O que Jonas não sabia era que em pouco tempo chegaria aos ouvidos de Alice que Jonas, filho de Nonato Xavier, seria o responsável por agitar os animais junto com aqueles seus amigos e também paus-mandados

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Maria Fernanda Cândido é Alice Santiago

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