Capítulo 3

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Alice não conseguia acreditar que tinha passado por uma situação tão constrangedora como aquela. Tamanho era seu ódio que não conseguiu dizer uma palavra a João e sua família. Entrou sem dizer nada batendo a porta com toda força que pôde. Não iria lidar com Adriano, não conseguiria fazer isso sem magoar muito seus pais, a quem tinha muito apreço. Não! se fosse falar com ele o colocaria pra fora da fazenda com certeza, tamanha era a raiva e a vergonha que a fez passar. Amanhã conversaria com João e ele trataria de corrigir seu filho, com certeza já estaria pensando em alguma coisa. 

O pior disso tudo é que Adriano não era mais uma pessoa confiável, talvez nunca tenha sido, e ela, na emergência de encontrar um culpado, não procurou se informar melhor e foi logo cuspindo sua raiva no primeiro pobre coitado que lhe apareceu. Quer dizer, pobre coitado do Sr. Nonato, que teve de ouvir aquilo tudo sem ter culpa de nada, o arrogante do seu filho não, pois aquele poderia até não ter tocado no seus bois, mas se é amigo dos tipos que o fizeram, com certeza não é flor que se cheire. Além de atrevido!! ~Aii que ódio daquele atrevimento, em sua porta aquela hora da noite querendo lhe dar lição de moral! Quem ele pensa que é?~ pensava Alice até altas horas da noite sem conseguir dormir. 

-Eu deveria levá-lo ao delegado, fazer com que dissesse quem eram os comparsas dele que estavam no meu curral naquele dia, ahh eu deveria sim! Deveria dar uma lição naquele atrevido, arrogante, prepotente! 

Porém, pela manhã, Alice pensou melhor. Não era da sua conduta se vingar por conta de um orgulho ferido, o rapaz era arrogante mesmo, mas ela não teria feito diferente caso também houvessem levantado falso testemunho sobre si, talvez fizesse até pior, reconhecia. Arrogante, atrevido, mas esses não eram necessariamente defeitos. Decidiu então que não traria mais aborrecimentos àquela família, pessoas que ela nem conhecia e já deixou uma péssima impressão.

Também não levaria Adriano, vai que ele culpa outro que nem lá estava. Mas com certeza faria uma denúncia, pois não era mulher de deixar uma afronta como aquela passar. Chamou então Agnaldo e foi com ele fazer o que deveria ter feito no dia anterior, ir até a delegacia. No caminho, Agnaldo não se conteve e lhe perguntou sobre a noite anterior, pois é claro, todos na fazenda já deveriam saber. 

-Eu não quero falar sobre isso, Agnaldo, por favor, essa história já me deu, literalmente, muita dor de cabeça.

-Eu imagino, dona Alice, e se eu fosse o João daria uma coça naquele irresponsável do Adriano, onde já se viu falar que Jonas fez uma coisa como aquela! Desculpe dona Alice, mas a senhora só acreditou por que não conhece a família do seu Nonato - falou sem papas na língua como sempre, o Agnaldo. 

Agnaldo era tão sincero que as vezes que beirava a falta de noção, qualquer outra pessoa pensaria duas vezes antes de esfregar na cara de sua patroa um erro de julgamento como aquele, mas era justamente esse jeito de Agnaldo que mais fazia Alice gostar dele, sincero, justo, e nada puxa saco. 

-Você não precisa me lembrar disso, Agnaldo.

-Eu sei, dona Alice, me desculpe - respondeu com um pouco, só um pouco de vergonha, o vaqueiro. 

  Porém, mesmo contrariada, Alice não escondeu a curiosidade.  

-Mas que pilar de boa conduta é esse tal de Jonas que ninguém acreditaria numa acusação sobre ele? - quis saber Alice.

-Não é isso  - ponderou o vaqueiro - se falarem que Jonas estava dando uns tapas em alguém por ai, a depender do motivo, a senhora poderia até acreditar. Mas fazendo molequeira, brincando com coisa séria, nunca. É que todos aqui o conhecem desde menino, sabe? e todo mundo sabe que ele não faz esse tipo de coisa, seu Nonato não criou filho moleque. 

-Mas ele não negou ser amigo dos que estavam lá, nem que passou pelo curral - argumentou em vão Alice.

-Todos aqui são amigos, todos se conhecem. Eu mesmo teria parado se tivesse passando na estrada, foi o que ele deve ter feito. 

-Hum.. 

-Mas com certeza o delegado vai encontrar a pista desses arruaceiros e dar uma boa lição neles, a senhora vai ver.

-Sim, assim espero. 

Chegando na delegacia e contando-lhe o caso, o delegado Augusto não poderia ter se mostrado mais indignado, garantindo a Alice que no máximo até amanhã encontraria os arruaceiros e garantiria que nunca mais passassem perto da sua fazenda. Alice não duvidava, mas conhecendo a "inclinação" que Augusto tinha sobre seus assuntos, sabia que as vezes ele costumava se empolgar. Ocorre que o delegado tinha a muito tempo um crush fortíssimo em Alice, apesar de tentar em vão disfarçar. Já havia lhe chamado pra sair algumas vezes, mas, como ela sempre recusava, tentava agora fazer a linha desinteressado, mas sem sucesso algum.

Voltando para a fazenda, Alice teria que enfim conversar com João sobre o ocorrido, o Administrador e a esposa já lhe esperavam na sala e foram para o escritório que ficava dentro da casa, conversar. Alice agradeceu intimamente por não terem trazido o Adriano, já que não queria mesmo lhe olhar na cara, fossem as desculpas que fossem. 

- Dona Alice - começou Ana com a voz entrecortada - eu não sei o que lhe dizer, estou muito muito envergonhada com a senhora, nos perdoe, por favor! 

-Ana, vocês não fizeram nada para pedir perdão  e sinceramente não é pedidos de desculpas que eu quero, o que o Adriano fez foi muito grave e irresponsável, ele me tomou por uma colega da idade dele e me levou a acusar alguém sem provas. Eu falei coisas horríveis para aquele senhor ontem, aqui mesmo, e isso é o que mais está me indigna, pois vocês sabem como procuro ser justa. 

Foi a vez de João falar. 

-Nós sabemos disso, dona Alice, e entendemos se a senhora não nos quiser mais aqui. Da nossa parte o castigo de Adriano já está sendo aplicado, mas infelizmente não temos condições de arcar com a despesa de duas casas, então caso a senhora avalie que Adriano não deve mais ficar aqui, nós vamos entender. 

Ver como aquelas duas pessoas que tanto gostava e respeitava estavam constrangidas e abaladas deixava Alice de coração partido. 

-João, Ana, vocês devem saber que isso está fora de cogitação - Ana não conteve um soluço quando ouviu aquilo, e Alice continuou - O que Adriano fez foi grave, mas eu confio plenamente em vocês para lidar com o seu filho sobre esse erro cometido por ele. O fato de você está me garantindo isso me tranquiliza, João. E Ana, nada de ficar com vergonha ou nada disso, sei que de alguma forma Adriano teve boa intenção, então vamos esquecer isso, agindo, claro, no sentido disso não mais acontecer. 

-Muito obrigada, dona Alice - a senhora é uma patroa maravilhosa - agradeceu Ana. 

-Obrigada, mas não por isso, Ana, vocês que são maravilhosos comigo e com a fazenda, vamos esquecer isso, sim? Afinal eu tenho minha parcela de culpa, eu deveria ter conversado com você antes João, antes de chamar sr Nonato aqui, mas eu não fiz isso, agi no impulso.

-Sobre isso, dona Alice, queria conversar com a senhora - falou João, enquanto Ana se despedia e voltava a seus afazeres.

- Então me fale, João. 

- Não dizendo que a senhora tem culpa, afinal a senhora não tinha como saber os motivos de Adriano em falar o que falou, mas realmente se a senhora tivesse falado comigo sobre o Jonas, provavelmente eu a teria alertado sobre a impossibilidade dele estar metido nesse vandalismo. 

-Pois é, Agnaldo me disse a mesma coisa - reconheceu Alice, sem saída. 

- Jonas sempre foi um rapaz muito responsável e todos aqui sabem que ele nunca faria uma coisa como essa, ele e a família são pessoas humildes, mas muito trabalhadoras e respeitam muito tudo aquilo que é fruto de trabalho. Mas ocorre que ele e Adriano, como eu posso dizer, não se bicam muito, sabe - ponderou João - e eu acho que isso influenciou na atitude do Adriano, a imperdoável atitude dele - reconheceu sem graça. O fato, dona Alice, é que eu gostaria de lhe avisar que eu vou até o sítio dos Xavier me desculpar pessoalmente pelo ocorrido, se a senhora assim me permitir. 

Alice pensou sobre aquilo e era uma ideia que estava pairando em sua cabeça também. Ponderou um pouco, perguntando em seguida:

-Me conte mais sobre essa família, João, o que eles fazem para viver?






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