Momentos depois, passamos por uma anca de revistas que estava na praça e vimos nossa foto estampada na primeira página de um grande jornal, com a seguinte manchete: "Um pequeno bando de malucos agita o centro da cidade". Meu mestre estava em primeiro plano; eu e Bartolomeu estávamos ao seu lado. Comprei o jornal com as poucas moedas que tinha no bolso.
Fiquei abalado, perplexo. Sabia que tinha dado um escândalo quando quisera morrer, mas esperava que fucasse soterrado, queria esquecer esse assunto, voltar à minha discrição de professor universitário. Agora estava na boca do povo. A reportagem descrevia minha tentativa de suicídio e meu estranho resgate por um estranho do qual ninguém sabia o nome.
Dimas e Bartolomeu viram um intelectual descontrolado e desconsolado ao ler o jornal. Estavam acostumados à difamação, eu não. Minha imagem social era meticulosamente preservada. "Serei ridicularizado publicamente pelos meus opositores na universidade, vivarei pasto na roda dos escarnecedores", pensei comigo.
Fui um tolo; queria morrer sem chamar a atenção, mas fiz tudo errado. Tornei-me uma celebridade às avessas. Ferido, queria sair pegando todos os jornais e queimando. Queria protestar contra minha foto publicada sem autorização. Queria processar o jornalista por essa reportagem caluniosa. A matéria me diminuía, dizia que eu era um depressivo que procurava sensacionalismo. Também dizia que o psiquiatra que estava no topo do edifício classificara o homem que me resgatou como um psicótico perigoso, que poderia colocar em risco a sociedade. Eu não fora salvo por um herói. Vivera um filme de Hollywood ao contrário.
O mestre se sentou num banco ao lado, junto com seus outros seguidores. Respeitando minha dor, apenas me observava. Esperava que a temperatura da minha angústia diminuísse para intervir. Imaginei todos os meus colegas professores e alunos lendo a matéria. Eu era o chefe de um departamento de sociologia, e nunca abaixara a cabeça para nenhum professor ou aluno. Parecia imbatível, detestava mentes estúpidas, mas não olhava para minha estupidez. Sempre fora ótimo em cultivar inimigos e péssimo em fazer amigos.
"E agora, o que pensarão de mim? O que pensarão de um suicida salvo por um homem excêntrico? E, o que é pior, o que pensarão de um suicida que depois de resgatado dançou alegremente no meio da multidão desconhecida? Certamente dirão que fiquei maluco ao quadrado. Dirão que me pós-graduei em doidice."
Era tudo o que Mario Vargas, Antonio Freitas e outros desafetos sonhavam, surrupiar a minha imagem. Sem perceber, acabei por vender o sonho que eles mais desejavam, o sonho de pisotear minha imagem. Abatido, concluí que estava acabado para o mundo acadêmico, estava terminado para a universidade. Nunca mais teria o mesmo silêncio quando tecesse crítica social nem o respeito quando debatesse ideias ou corrigesse alguém. O mal-estar da civilização penetrara as entranhas do meu cérebro.
Comecei a ter raiva do jornalista que fizera a matéria. Num ataque de cólera "pensei: "Por que os jornalistas, na sua formação, não fazem um laboratório em que simulem a execração pública de seu nome? Talvez aprendessem a se colocar no lugar dos outros e investigassem muitos mais fatos antes de jogar e o lixo o nome dos outros".
Para o jornalista, era mais uma matéria, para mim era minha história, era tudo o que tenho e sou, ainda que fosse uma história doente, complicada, saturada de sobressaltos. Poucos minutos mudam uma história. Como retornar às minhas atividades? Se retornar, nunca mais serei o mesmo para os outros. Só tenho à minha frente um homem que propôs um projeto revolucionário sem a mínima base de segurança intelectual, social, financeira. E, ainda por cima, chama para esse projeto pessoas que jamais passariam pelo filtro da minha inteligência, parceiros que eu jamais escolheria para fazer qualquer tarefa juntos.
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O Vendedor de Sonhos
غير روائيUm homem maltrapilho e desconhecido tenta impedir que um intelectual se suicide. um desafio que nem a polícia nem um famoso psiquiatra tinham sido capazes de resolver. depois de abalá-lo e resgatá-lo, esse homem, de quem ninguém sabe a origem, o nom...