Capítulo 2

93 9 0
                                    

Saio do ginásio caminhando em passo apressado pela rua. Hoje saí mais tarde porque cobri o turno do Zayn, e agora já não passam autocarros para poder chegar mais cedo a casa. Preciso urgentemente de um carro. Assim não chegava a casa tão tarde, e não levava com o tempo controverso desta cidade. 

E que a sorte esteja comigo. Tenho a certeza que aquela velhota me amaldiçoou por ter entornado o meu sumo sobre a sua camisola, após ela me ter empurrado. Agora tenho de levar com a merda da chuva, que não para de aumentar, durante meia hora. 

E de repente vejo um relâmpago no céu escuro. Foda-se não, não, não. O estrondo do trovão, faz-me saltar e começar a suar apesar de toda a chuva que me cai em cima. Preciso de me mexer, e ir para casa e ultrapassar esta porcaria. O raio não me vai cair em cima e ... Paro os meus pensamentos realistas quando ouço o trovão mais próximo e começo a correr pela rua fora.

Eu odeio viver aqui, odeio a porra do Inverno, odeio trovões e acabei de ver a minha salvação.

A pastelaria do fim de semana, tem as luzes acesas. Corro o mais que posso, e subo as duas escadas de madeira de uma vez, entrando no estabelecimento. A pequena campainha faz sentir a minha presença  e eu encosto-me à porta tentando recuperar a respiração.

"Estamos fechados!" Uma voz abafada grita. Pela porta da cozinha, sai uma pequena criatura a limpar as mãos a um pano. "Estás bem?"

A sua voz doce pergunta-me quando observa a minha figura. O seu cabelo castanho claro apanhado à toa num rabo de cavalo quase solto, e os seus olhos num verde-tropa sedutor chamam por mim.

"Sim." Suspiro. "Desculpa." Inspiro mais uma vez, antes de me desencostar da porta.

"Podes ficar, está a chover calhaus e nem eu própria me atrevo a ir lá para fora." Ela pousa o pano em cima da bancada verde. "Se quiseres." 

Um sorriso fraco aparece nos seus lábios e ela agarra num bloco de notas, escrevendo furiosamente nele.

Pouso o meu saco numa mesa e encaminho para um dos bancos de couro do balcão.

"Obrigado. Sou o Liam." Um vento suave faz-me estremecer e encolho-me sobre mim mesmo. Caralho do Zayn.

"Sunny." Ela diz após me observar. "Eu vou preparar-te uma bebida quente."

Antes que eu podesse negar, ela já tinha atravessado a porta da cozinha. Observo o espaço novamente. Tenho o meu pressentimento desde a última vez que aqui entrei. Escrito numa letra um pouco manual e gigante está pendurado um placar onde reside o nome do local "Sunflower". 

Uma longa bancada de diversas cores, estende-se pela área retangular que separa o cliente do trabalhador. E depois as várias mesas, quer rústicas, retro, góticas, têm sempre um pequeno apontamento de um girassol. 

O barulho da porta a ser empurrada, faz-me virar o olhar para a chávena de chocolate quente que a Sunny me trouxe.

"Obrigado." Agarro a chávena com as duas mãos e dou um pequeno gole. "Então Sunny, não é?"

Ela assente com a cabeça, continuando a escrever no seu bloco.

"Isto é tudo teu?" Pergunto-lhe olhando para o interior da chávena.

"Sim." Um pequeno sorriso orgulhoso forma-se nos seus lábios secos.

Isto está mesmo bom, que raio é que isto tem? Olho de novo para dentro da chávena e cheiro o aroma intenso a chocolate.

Ouço uma pequena gargalhada abafada e levanto a cabeça.

"Que foi?" Sorrio contagiado pela sua boa disposição.

"Tu pareces o monstro das bolachas a olhar para o chocolate quente." Ela ri-se, e eu abano a cabeça sorrindo.

"Estava a tentar perceber o que é que isto tem. Mas não percebo nada de cozinha." Explico, bebendo o resto da bebida.

"A chave é o chocolate. E o tipo de chocolate." Ela diz, guardando o bloco. 

"Estava mesmo bom, obrigado." Ela sorri, e olhando para trás de mim para avaliar o tempo.

"Bem, parece que vou ficar aqui outra vez." 

"Então podes ensinar-me a fazer chocolate quente." Eu gracejo, fazendo-a sorrir. 

"Então, o que é que fazes?" Ela pergunta-me sentando-se no banco ao lado do meu.

"Personal Trainer." Digo e ela olha para mim sem qualquer expressão. "Limito-me a mandar as pessoas exercitarem os ossos, e até que sou simpático por lá."

"Deve ser divertido." O seu cabelo está agora solto e noto alguma mexas loiras por dentro do castanho claro.

"Porquê?"

"É como observar o comportamento dos ratos de laboratório." 

"Não percebo." Giro a cadeira para olhá-la, mas ela não faz o mesmo.

"Os ratos são as pessoas que estão presas nas máquinas, com um intuito penso eu."

"E isso é bom, Pelo menos tomam iniciativa, e não ficam a deprimir."

"Não se tornam fracas, queres tu dizer." Ela estabelece contacto comigo. Os seus olhos semifechados e agora mais escuros.

"Sim. Não caem no abismo, e num mundo depressivo."

Ela levanta-se do banco e depois apoia-se no balcão.

"Para quê encobrir algo que somos? Todos nós somos fracos. Temos medos, imperfeições, para quê escondê-las? É isso que nos torna humanos." 

O seu corpo avança até à porta da cozinha.

"Estamos a falar do quê mesmo?" Pergunto-lhe, esperando uma resposta sábia.

"Não sei." Ela sorri e depois desaparece, deixando a porta a abanar durante alguns segundos.

Olho para a caneca que tenha nas mãos. Write something. 

Procuro por uma caneta pelas mesas e depois estico no balcão e agarro uma caneca. Penso uns instantes aquilo que vou escrever e deslizo a caneta.

Pouso-a na bancada e giro a cadeira, agarrando no meu saco e puxo a porta, enfrentando o meu medo. Ou pelo menos tentando.

_______________________________________________________________

quero explicar, uma coisa que pode parecer-se estúpida. muitas das pessoas que sofrem de distúrbios alimentares escondem-se por detrás de coisas que nunca ninguém iria adivinhar isto é - a Sunny trabalha e tem uma pastelaria, mas continua a ter os seus problemas alimentares. o seu ódio pela comida não existe. ela odeia é a sua relação com a comida.

espero que tenham percebido. thxs xxxx

@mentalive1D

Sunflower |L.P|Onde histórias criam vida. Descubra agora