Capítulo 02: RECONHECENDO NOSSOS LIMITES.

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RECONHECENDO NOSSOS LIMITES.

"Dificilmente pensamos nessa "hora". 

Lutamos com todas as forças para viver. 

Tudo o que é contrario à vida, então,

 passa a ser desprezado, ou assusta.

 Faz parte de nossa essência humana.  

Mas os limites existem."

O reconhecimento dos limites, fraquezas, ou mesmo o tamanho de nossas possibilidades é uma pratica que precisamos exercitar a cada dia. Mas, na maioria das vezes, não estamos preparados, ou não damos tanta importância para essa necessidade. Vamos levando a vida e, quando percebemos, a vida é que está nos levando. Razão pela qual, ao ruir das primeiras pedras das paredes de nosso coração, parece que a nossa vida toda esta desmoronando. E, de fato, às vezes está!

Se houvesse necessidade de estabelecer um marco para dizer: -"foi aqui que tudo começou!", seria difícil. É que os escombros deixados em volta do nosso coração e a poeira que envolve a nossa alma impede de enxergarmos a luz no fim do túnel. Pacientemente, é preciso começar o processo de retirada destes escombros e, se a poeira demorar em abaixar, é preciso ao menos aprender a respirar no meio dela.

E não é sem razão que me refiro à retirada dos escombros como um processo. Recordo que, depois da visita motivadora daquela senhorinha, disse pra mim mesmo: -"Vou levantar daqui , dessa cama! Eu posso! Tenho fé! Tenho uma família"! E insisti em levantar. Com muita força de vontade, levantava da cama, mas então o mundo girava e lá estava eu, deitado novamente. Aos poucos, com o passar dos dias, meio tonto e com a ajuda da esposa, certa manhã consegui sair pra caminhar. Da porta da casa até uma pequena ponte, não dava mais do que 80 metros. Com passos trôpegos, em meio às folhas caídas à beira o asfalto, consegui chegar à ponte na primeira tentativa, mas foi um grande sacrifício voltar. Em consequência, veio a insegurança, o questionamento da capacidade de um dia conseguir voltar a caminhar por uma hora, a capacidade de dirigir um carro num longo percurso... Era a fraqueza física, associada ao pânico que já estava se instalando e eu não percebia.

Mais adiante, após algumas desventuras, quando já estava saindo do quarto para o quinto mês de cama, um amigo veio me visitar e tomou uma decisão inusitada, mas feliz. Pegou-me no colo e, com minha esposa dirigindo, fui levado ao hospital, para ser diagnosticado pelo seu médico. Ao sentar na frente do médico, com o estetoscópio na mão, a ouvir as batidas do meu coração, perguntou o que sentia. Mas as palavras não saíram. Um aperto no peito, comprimido cada vez mais por uma angustia profunda foi tomando conta de meu corpo, criando um "nó" na garganta. E os olhos não resistiram. Foi um choro profundo, sem saber o porquê e nem de que estava chorando. Ao final de uns quarenta minutos, o médico disse:

- "O que percebo é que o Sr. está às portas de uma depressão muito profunda. O Sr. precisa e vai sair dela. Mas vou advertir que precisa tomar o medicamento que vou passar. Se precisar, pode me ligar a qualquer hora do dia ou da noite, não importa a hora. O efeito do medicamento só vai começar a ser percebido depois de uns 15 dias. Então tome o remédio".

Parece simples e fácil, mas aprendi porque ele insistiu tanto. A fórmula que passou era forte e os efeitos colaterais terríveis. Para suportar a fraqueza, prescreveu medicamento pra dormir. Na verdade, ele queria me internar e me fazer dormir no hospital, mas diante da insistência, permitiu que o fizesse em casa. A primeira noite foi inesquecível. Pegava o comprimido, mas não tinha coragem de tomar. Achava que ia dormir e não acordar mais. Então, lá pelas três horas da madrugada, liguei para o médico e falei do medo. Disse que li a bula e fiquei apavorado. Ele me disse duas coisas. Em primeiro lugar, que o paciente nunca deve ler a bula do remédio. Depois aprendi que essa regra serve para todas as doenças. Se você ler a bula dificilmente tomará o remédio. A segunda coisa marcou minha vida profundamente:

--"Faz o seguinte: tome o remédio. Se o Sr. morrer, o Sr. me liga, ok"?

Claro que era piada e podia ouvi-lo dando gargalhadas do outro lado. Mas não havia o que fazer. São os limites da vida: ou faz, ou faz. Em muitos destes momentos limítrofes nem o médico pode fazer nada. Num retorno ao seu consultório, mais à frente, constatei isso: uma enfermeira entrou às pressas, ofegante e disse: - "Dr. O "O senhor do quarto tal" não reage a nada que fazemos. Acho que não vai resistir". Calmamente o médico disse: - "Sim. Fizemos tudo o que podia ser feito. É o limite. Chega um momento que o médico também se declina diante da morte. Não há o que fazer. Chegou a hora dele"!

A grande verdade é que dificilmente pensamos nestas horas limítrofes. Lutamos com todas as forças para viver. Tudo o que é contrario a vida passa a ser desprezado, ou assusta. Isso faz parte da essência humana. Mas os limites existem, estão à nossa volta e precisam ser considerados, seja na hora final da vida, ou no próprio ato de viver. Precisamos conhecê-los para que os superemos, ou convivamos com eles.

Desde então, nossa abordagem com pessoas que estão passando por situações semelhantes mudou. Reforçamos sempre a necessidade de observar a medicação a ser tomada. O medico deve ser procurado, a dose pode ser reformulada, um psicólogo pode ser um complemento, mas não se deve parar com a medicação sem orientação. Todo medicamento tem o tempo certo para fazer efeito, bem como para ser descontinuado e até retirado. Meu maior receio era o vicio, a dependência. Mas esse medo também foi vencido. Rendi-me ao tratamento...

DANDO A VOLTA POR CIMA - Sobre a arte de superar as adversidades.Where stories live. Discover now