Coração

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4.
— Já sabem o que vão pedir? — a garçonete de seios fartos pergunta.
Emile olha o cardápio por um momento; pede um chá. Depois observa Emerson do outro lado da mesa, que pede uma cerveja.
Assim que leu aquele bilhete, ela saiu do quarto. Quando o abraçou e disse que aceitava sair, ainda estava tremendo. Depois de comer alguma coisa, pois não comia desde que acordou... depois que tomou um banho e vestiu uma roupa adequada, saiu com ele.
Estão no Mr. MacCab, um restaurante simples.
Quando a garçonete sai, Emerson estende a mão e segura a dela por cima da mesa.
— Conte-me o resto!
Ela já havia contado praticamente toda a história. Desde o desastre com seus pais; o incêndio que matou Will — provocado por ele mesmo para fugir da polícia —, que acabou queimando quase todo o seu corpo; o e-mail logo cedo; até o buquê no túmulo dele...
— Não era uma carta — ela diz, olhando para baixo. — Era um bilhete.
— O que estava escrito?
Enfia a mão no bolso e pega o pequeno papel que havia guardado. Entrega para ele, que o devolve depois de ler.
— Deve ser uma brincadeira de mau gosto...
— Não — ela o interrompe. — No começo, acreditei que fosse. Acreditei sim. Quando recebi aquele e-mail, fiquei assustada e, mesmo assim, achei que era só uma brincadeira.  Depois, quando fui ao cemitério e vi o buquê idêntico ao que escolhemos para o nosso casamento, e quando li esse bilhete... eu percebi. Não sei se estou certa, mas creio que a morte de Willian foi uma grande farsa — Emile aperta as mãos dele, como se quisesse encontrar força ali naquele gesto. — Aquelas flores eram recentes, não estavam murchas. Alguém havia deixado elas ali, logo cedo.
— Não poderia ter sido um parente?
— Ele não tinha parentes vivos, Emerson. Era um psicopata sozinho.
A garçonete volta com o chá e a cerveja. Emile espera ela sair para continuar:
— E de qualquer forma, não tem como tudo isso ser uma brincadeira, pois quando ele matou meus pais e minha irmã, entrei em depressão. Afastei-me de todos que conhecia, perdi os contatos, me mudei para o apartamento... Só depois de dois anos foi que consegui retomar o trabalho de colunista no jornal. Agora o emprego é a única coisa que me distrai, mas mesmo assim, você sabe, só trabalho nas terças e quartas. Existem outros colunistas nos outros dias. Então, minha semana fica vaga. Não tenho nada pra fazer.
— Tive uma ideia! Posso ficar com você por mais tempo... podemos fazer mais coisas juntos... podemos retomar a aproximação, como nos velhos tempos — ele sorri. — Esquece essa história, Emile. Caso algo aconteça novamente, nós vamos à polícia e contamos tudo.
Ela fica calada, esperando que continue. Já sabe o que ele falará.
— Ficamos juntos por meses, eu gostava de você, e ainda gosto. E sei que você também sente o mesmo. Aquilo tudo não acabaria assim, tão rápido, só por causa de um mês de férias... Eu viajei, recusei uma boa proposta de emprego na minha cidade, e estou aqui agora, não só por que gosto deste lugar... — Emerson estende o braço e toca o rosto dela. — Foi por você também.
Ela toma um pouco do chá.
— Fica comigo, Emile!
Pensa um pouco. Olha para ele, relembrando o passado. A última vez que ela negara um pedido dele tinha se arrependido depois. Deveria aceitar?
Sim, deveria!
Emile levanta um pouco e beija seus lábios sutilmente como resposta.

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