Sangue

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6.
Durante todo o banho ela ficou com aquela imagem de Willian na mente, e sempre com uma sensação horrível de que ele estava atrás dela... imaginando que, quando virasse, iria encontrá-lo bem ali, observando a água cair em seu corpo.
Após sair do banho tenta dormir um pouco, pra ver se esquece daqueles fatos ruins por um tempo. Deita-se na cama, fecha os olhos. Tenta. Tenta... Vira-se para um lado. Permanece ali, tentando adormecer.
Não consegue.
Fica ali, apenas deitada, durante duas horas. Duas longas horas. Até que decide ir à delegacia. Pega o telefone para ligar para Emerson. Ela tem duas novas mensagens de texto. Abre-as. Faz quinze minutos que ele as enviou. As duas contêm o mesmo texto:
Acho que estou com febre. Se puder, venha até aqui.
Digita rapidamente e envia:
Estou indo!

**

Ela corre pelo estacionamento. Entra no carro, sai da vaga, e alguns segundos depois já está na pista. Passando só mais algumas ruas e já chegará. Espera uma fila de carros passar, o que parece uma eternidade. Vira à esquerda e estaciona na frente de uma casa pequena, no estilo vitoriano. Na última vez que ela esteve aqui, Emerson contou que a casa foi deixada pelo pai, e já tinha mais de cem anos. Ele reformou, mas era aquela essência de antiguidade que a deixava mais linda ainda.
Sai do carro e bate na porta. Uma batida. Duas... ele não aparece. Emile decide tentar abrir. Não está trancada. Depois que entra, fecha.
Não há nem sinal de Emerson na sala. O sofá enorme está vazio. Ela admira a decoração, assim como fez quando veio antes das férias.
Depois da sala tem um corredor que dá acesso às outras partes da casa. Ela passa pela cozinha, que não tem ninguém. Passa por duas portas fechadas, e não abre, pois o quarto de Emerson fica na parte de cima da casa, e ele deve estar lá. No fim do corredor tem uma escada de madeira.
— Emerson! — ela chama.
Nenhuma resposta. Será que desmaiou com a febre? Será que o caso é tão sério assim?
Ela sobe pela escada rapidamente. No meio do caminho, chama por ele novamente.
Escuta um barulho estranho, algo como um gemido. Quando chega ao fim da escada, gira a maçaneta sem pensar duas vezes. Encontra ali, de frente para a porta, do outro lado do quarto, uma imagem assustadora. Emerson, caído ali no chão, amarrado, e com uma fita isolante tapando a boca. Uma linha fina de sangue desce pelo queixo. Ela o escuta gemer mais uma vez. E entende quando ele balança a cabeça, sinalizando para que ela corra.
Emile gira o corpo e desce pela escada correndo. Será que dá tempo de chegar até a porta? Passa rápido pelo corredor, escutando passos em seu encalço. Assim que segura a maçaneta para sair da casa, sente alguém a segurar por trás e percebe o um objeto frio em seu ouvido. Um revólver.
— Agora quero que solte a maçaneta e tranque a porta. Caso contrário, aperto o gatilho e você já era — escuta a voz grave de Willian bem perto. Solta um suspiro e obedece, largando a maçaneta e girando a chave.
Will a empurra contra a porta e se afasta um pouco.
— Agora vá para o quarto onde seu namoradinho está. Sem movimentos bruscos. Estou logo atrás de você.
Emile vira-se e anda cautelosamente. Sobe a escada. Entra no quarto com as lágrimas rolando. Um novo desastre. Aquele maníaco derramará sangue mais uma vez. Ela senta ao lado de Emerson e o ajuda a ficar sentado. Suas mãos e pés estão amarrados com uma corda grossa.
— É lindo ver o que você fez em minha ausência, Emile — diz Willian em um tom cínico, com o revólver apontado pros dois. — Você saiu com esse cara durante meses... Você se divertiu naquele clube... E quando ele voltou das férias, você continuou com ele... Enquanto eu fiquei escondido, esperando a poeira baixar, pra no fim ficar com você... — ele a olha, decepcionado. — Eu fiz de tudo, Emile... Matei um cara e provoquei o incêndio, só pra fingir minha morte, e depois de tudo isso poder ficar contigo, sem ninguém para nos impedir... Tem ideia do quanto me arrisquei?
— O que você quer? — ela pergunta, em meio aos soluços.
— Preste atenção no que vou dizer... — ele a olha com carinho. — Eu perdoo você, meu amor! Mais uma vez eu vou me livrar do que nos impede de ficar juntos... Ok? Porque eu te amo!
Ela não consegue parar de chorar. Assim como no dia em que ele matou sua família.
— Shhh! — ele faz sinal de silêncio. — Não chore. Tudo vai acabar bem. Está vendo aquela porta ali? — Will aponta para a porta de vidro que dá acesso a sacada do quarto. Depois aponta para Emerson: — Vou atirar nele. E vamos jogá-lo pela sacada. Então estaremos livres desse empecilho. Mas desta vez eu não vou fugir sozinho, amor. Você vem comigo, não vem?
Ela olha para ele e sacode a cabeça, afirmando.
— Fale! Eu quero ouvir sua voz, Emile! — ele grita, furioso.
— Sim — ela diz, controlando o choro.
— Então venha aqui. — Ela levanta e vai até ele, devagar. — Abra a porta da sacada para mim, amor. Por favor.
Emile puxa a trava e empurra os dois lados da porta, fazendo com que o quarto se ilumine ainda mais. Sente Willian beijar seu pescoço levemente. Depois ela vira-se e beija os lábios dele.
Se for um jogo o que ele faz, então, para proteger quem ama, ela vai jogar também.
— Eu te amo — ela sussurra ao seu ouvido.
E agora não sente mais o toque do revólver em seu corpo. Ele está acreditando na encenação.
— Eu também te amo — ele diz, beijando-a ainda mais.
Ela escuta o gemido de Emerson e se contorce um pouco. Aparentemente aquilo fez Will despertar do transe em que parecia estar. Ele a empurra na direção de Emerson e ordena que desamarre seus pés.
Os nós da corda são fortes. Demora um pouco até que consiga desamarrar os tornozelos. O olhar de Emerson é de dor. Assim que tira a corda, de mais ou menos um metro e meio, ela vê as marcas vermelhas que ficam.
— Agora, ajude-o a se levantar e o leve para a sacada.
Ela o segura pelos ombros, enquanto ele caminha com lentidão. Depois o deixa ali, sentado, perto do corrimão da sacada.
Vai até Willian e o beija, com os braços envoltos no pescoço dele. Por cima do ombro, vê uma possibilidade. A corda jogada ali no chão.
Ela desabotoa a camisa de Will e passa a mão por sua barriga, suavemente. Ainda o beijando.
Eles se deitam ali mesmo, no chão, com preguiça de ir até a cama. Emile se sente enojada enquanto ele passa a mão por seu corpo, mas disfarça. Will deixa o revólver no chão, envolvido naqueles toques.
Ela gira seu corpo — no intuito de se afastar da arma —, rolando pelo chão com ele, ainda o beijando. Agarra a corda por trás de Willian e sussurra, antes de finalizar seu plano:
— Ficaremos juntos para sempre.
Assim que ele sorri para ela, Emile passa a corda por seu pescoço rapidamente, e puxa em direções contrárias, enforcando-o.
Ele se debate e acerta em cheio o rosto dela, que cai para o lado. Mas, quando Will já se levanta para pegar o revólver, ela pula em cima dele, conseguindo ficar sobre suas costas, e segura novamente a corda, agora com mais força.
Willian leva as mãos ao pescoço, em uma tentativa frenética por liberdade.
— Desta vez não, Willian! — ela grita. — Desta vez você não vai acabar com quem amo. Seu verme nojento!
Quando vê que ele já está fraco demais para agir com rapidez, Emile solta as cordas e corre até a arma. Segura firme o objeto, apontando na direção dele.
Ela o observa levantar, cambaleando um pouco.
— Você não tem coragem, princesa — ele diz com voz rouca.
— O quê! Está brincando?
— Você não consegue — ele sorri. — É fraca demais para isso. Tola!
Willian realmente pensa que ela não tem coragem. Acredita que, entre os três ali no quarto, apenas ele seria capaz de matar.
E continua acreditando nessa teoria até o fim. Até quando ela atira em seu peito.
Destruir a vida de uma pessoa é o ato mais perigoso que existe. Pode transformá-la em um ser capaz de tudo.

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