Buquê

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2.
Não pode ser ele, pensa. Não. Não! Por favor, que não seja ele!
Sai — com a bolsa na mão —, e tranca a porta. Anda até o elevador. Está danificado, um papel colado mostra “INTERDITADO”.
— Merda! — resmunga.
Anda um pouco mais. Começa a descer as escadas. Irritada. Aterrorizada.
Agora de dois em dois degraus. Ainda irritada. A imagem de sua família volta. Aquele sangue brutalmente vermelho contrastando com o branco da neve.
— Não chore! — ordena para si mesma.
As lágrimas escorrem por seu rosto. Ela as enxuga. Continua a descer as escadas. Está praticamente correndo.
Quando passa pela portaria, escuta Emerson gritar:
— Srta. Dune! — ela olha para trás. — Tem uma carta aqui.
— Me chame de Emile, Emerson. Só tenho vinte e seis anos. E você me conhece. Não é porque ficamos um pouco distantes que precisa me tratar como uma desconhecida — Emile finge um sorriso.
— Oh, desculpe! — o recepcionista sorri de volta. — Tem uma carta aqui para você.
Ela observa aquele sorriso perfeito e acaba se lembrando dos bons momentos que passou com ele. Ficaram juntos por meses, não como um relacionamento, propriamente dito, mas Emerson conseguiu, por um tempo, encantá-la. Porém, ele viajou nas férias e acabaram se afastando, mesmo depois de seu retorno continuaram assim. Aquele sentimento inicial estava paralisado ali, bem dentro dela.
— Não posso agora. Tenho que resolver uma coisa. Quando eu voltar, me lembre de pegar. Estou apressada.
O estacionamento do prédio está tão escuro que causa arrepios. Emile anda até o carro, abre a porta e entra. Sente aquela tontura de mais cedo a invadindo. A ressaca.
Abre a bolsa e pega o último analgésico que ainda lhe resta. Tem que servir.
Sai da vaga com o carro e segue pela avenida. O cemitério não fica tão longe. Na verdade, são os cemitérios. Aqui há um cemitério para cidadãos de bem e outro para criminosos. Sim, um preconceito nítido. No entanto, é algo como um exemplo a ser mostrado.
Mas hoje Emile não quer visitar a família. Ela vai ao cemitério de criminosos. Está decidida a visitar o homem que destruiu uma parte de si quatro anos atrás. Só para ter a certeza de que ele continua lá. E para perceber de uma vez por todas que aquele e-mail não passa de uma brincadeira sem graça.
O barulho das folhas secas a cada passo. A terra avermelhada por entre as folhas. A sinfonia do vento. O céu nublado. O passado terrível de Emile voltando à tona ao olhar a lápide... tudo isso se une, em um conjunto de tristeza em seu peito. E as lágrimas caem sem nenhum esforço.
Ela lê rapidamente o que está gravado na pedra cinzenta:
Willian Greene

 1988
 2010

O cemitério de criminosos não tem os mesmos cuidados que o outro. Não há nem o rastro de coveiros. E são pouquíssimos os visitantes.
Ela dá a volta por entre as lápides, olhando se em ao menos algum túmulo foram deixadas flores. Havia, bem além dali, um buquê de flores de plástico que pareciam bastante empoeiradas.
O que surpreende Emile são as flores que vê assim que vira-se novamente para o túmulo de Will. Estão atrás da lápide dele, por isso não viu de início. Aquilo tudo é estranho. Um buquê de rosas, tão vermelhas quanto sangue. Parece tão familiar... ela só não sabe o porquê.
Abaixa-se e o pega. Segura firme. Sente o cheiro das rosas. Observa mais um pouco. Os detalhes no plástico fazem voltas em desenhos dourados e, no fim, se unem e formam duas alianças. Emile sente um calafrio intenso tomar conta de seu corpo e deseja nunca ter visto aquilo.
Naquele instante, ela solta o buquê e começa a correr o mais rápido que pode para fugir dali. Tudo tão familiar. Já fazem quatro anos que o desastre com seus pais e irmã havia acontecido, e também quatro anos que Will tinha falecido. Ela o namorou por dois. Na época em que se conheceram, em 2007, ele tinha 19 anos, e ela, 18. Com um ano e meio de namoro, eles já pensavam em se casar, como todos os casais apaixonados e apressados. Will pesquisou várias fotos de buquês e mostrou a ela algumas... fez o mesmo com as alianças e com o bolo de casamento. Os dois escolheram tudo, como uma brincadeira... aqueles caprichos de namoro. Dentre os buquês, Emile adorou um em especial: aquele que o plástico envolvia as rosas, decorado por desenhos dourados se cruzando e formando alianças perfeitas.
Exatamente como o buquê que foi deixado atrás da lápide dele.
Se isso tudo, desde o e-mail até as rosas, é uma brincadeira, é de muito mau gosto! Ela odeia imaginar que ele esteja vivo. Tenta não ligar os fatos à essa conclusão, pois, caso a morte de Willian Greene não seja uma farsa, então um mostro terrível está à solta.

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