7 anos atrás...
POV Manoel
É sábado e irei me encontrar com minha namorada Andréia em sua casa. Estamos juntos desde o primeiro ano do Ensino Médio e meu amor por ela só aumentou nestes quase 3 anos. Ela me ligou dizendo que tem uma notícia para me dar e temo que seja sobre o resultado do vestibular. Torço por ela, mas não quero que ela vá estudar longe de casa, não suportarei a saudade.
- Oi, gatinha – a beijo assim que ela abre a porta.
- Mozinho, você demorou! – faz um beicinho e ganha mais um beijo.
- Faltou material esta semana na obra e só chegou ontem à tarde. Precisamos trabalhar hoje de manhã para não atrasar demais o cronograma. Mas me diga, qual a novidade?
- Adivinha... – faz um suspense para dar mais emoção. Como se fosse necessário, meu coração já está apertado.
- Fala, amor, não me mata de curiosidade.
- Eu passei na universidade pública para Medicina! – diz enquanto sorri e pula de alegria.
- Uau, parabéns coração! Mas eu sabia que conseguiria, é a pessoa mais inteligente e dedicada que conheço – a abraço apertado, não só para parabenizá-la, mas com medo de perdê-la também.
- Meus pais estão tão felizes. Teremos um almoço especial amanhã e quero que sua família toda venha.
- Viremos sim. Mas ainda não me disse em qual universidade você passou. É aqui em São Paulo mesmo?
- Então, mozinho, não é aqui... É no Paraná.
- Paraná?
- Sim, mas virei sempre te visitar, e você também pode ir, daremos um jeito, não se preocupe.
- Certo, claro, você tem razão – respondo, mas por dentro estou arrasado por mim, apesar de muito feliz por ela.
- É um curso muito puxado, não poderei trabalhar enquanto estudo. Mas meus pais guardam um valor mensal desde quando eu sou pequena, então terei como me manter.
- Eles foram muito previdentes.
- Sim, eles queriam garantir que eu estudasse. Acho que pensavam na mensalidade da faculdade, mas como estudarei em uma pública, usarei o dinheiro guardado para moradia e alimentação.
- Então está tranquila. É uma notícia maravilhosa.
- Terei que racionar, já que serão 6 anos de estudo. Mas poderei realizar meu sonho.
- Quer sair para comemorar?
- Não posso, minha avó está vindo para cá.
- Tudo bem... – tento disfarçar meu desapontamento.
- Fique aqui comigo, quero aproveitar cada momento perto de você.
Concordo, sorrio, tudo para que ela não perceba que uma parte minha está angustiada, já imaginando como será terrível o tempo que passaremos separados.
Estamos nos aprontando para o almoço em sua casa quando meu pai me chama para conversar.
- Fala, pai. Algum problema?
- Meu filho, estou preocupado com você. Sei que gosta muito da Andréia, mas acha que isso vai dá certo?
- Namorar a distância será difícil, mas não seremos o primeiro casal a viver assim.
- Estou falando dela se formá doutora. Você é um pedreiro, meu filho.
- Sou agora, mas posso conseguir um emprego diferente, tenho apenas 18 anos. Estou até pensando em prestar um vestibular também.
- Filho, não quero te desanimá, mas nós, nordestinos, fomos feitos para burro de carga mesmo, não para doutô. Já vivi muito e sei o que tô falando.
- Que isso, pai?
- Escuta o que eu tô te dizendo, não queira ser mais do que você é, que senão vai sofrê.
- E qual o problema se eu continuar a ser pedreiro? O senhor é e tenho muito orgulho de ser seu filho.
- Mas será que a moça vai querê você quando voltá? Como vai sê quando tiver que ir em alguma festa do serviço dela, com sua mãos calejadas e pele queimada de trabalhiá no sol?
- Ela me ama, pai. Isso é que importa.
- A vida não é assim, meu filho.
- Eu acredito que poderemos superar tudo, nos amamos, eu sei – tem que bastar, não posso ficar sem ela.
- Ô menino abiscoitado! Depois não vai dizê que não te avisei!
Meu pai me deixa no quarto e vai apressar minha mãe e irmãs. Não quero aceitar que ele esteja certo, mas, e se estiver?
O almoço é uma festa. Toda sua família está orgulhosa dela e com razão. Toninho e Edmilson correm pelo gramado de sua casa, na alegria de ser criança. Minha mãe conversa com suas tias e Joana e Inês com suas primas. Seu tio Anselmo senta-se perto de mim, enquanto Andréia se afasta para falar com sua avó.
- Minha sobrinha será médica. E você, Manoel, o que fará da vida?
- Trabalho com meu pai, ele é excelente pedreiro e estou seguindo seus passos.
- Pedreiro? Não acha que serão um casal estranho? – há muito desprezo em sua voz e olho por perto para ver se meu pai não está ouvindo. Não quero que se magoe.
- Nos amamos, senhor – respondo simplesmente, mas com sinceridade.
- Sabe que ela é minha afilhada, além de sobrinha, não é? Eu a amo como se fosse minha filha. Ela já enfrentará muito preconceitos e dificuldades por ser negra, não precisa arrastar um marido simplório também. Isso será péssimo para sua carreira.
Concordo com a cabeça e fico em silêncio. Andréia me chama e vou para seu lado enquanto passa a conversar com as meninas. Ouço quando ela comenta que prestarei um vestibular, como eu mesmo havia mencionado em outra ocasião, e como está esperançosa para que eu estude com ela.
Após o almoço, meus pais e irmãos se despedem, mas fico mais um pouco.
- Andréia, e se eu não cursar uma faculdade?
- Por que está perguntando isso? É claro que estudará. Sei que ainda não se decidiu, mas o que faria sem estudo?
- Tem razão – respondo, mas meu coração está destruído. Vejo que meu pai está certo, mas o que posso fazer?
Volto para casa e passo a noite em claro. Pela manhã, tenho minha decisão.
- Pai, preciso ir para o Nordeste por um tempo. Quero ficar com o vovô.
- Mas por que isso agora, meu filho?
- O senhor estava certo, terei que terminar com a Andréia, mas ela não aceitará facilmente e não suportarei vê-la sofrer. Como o vovô está fraco e adoentado, precisa de ajuda no trabalho. Pensei em ficar com ele, pelo menos até ela ir embora.
- Tá certo, pode ir. Que bom que escutô a voz da razão.
Não digo nada para minha namorada nos próximos dias. Minha passagem é para depois da nossa formatura e já está tudo preparado para minha viagem.
Tento passar o máximo de tempo com ela, numa longa e dolorosa despedida. Ela percebe que estou estranho, mas pensa que é por causa de sua partida em breve.
Escrevo uma carta para Andréia e deixo com meu irmão José Carlos, peço que ele entregue quando eu for embora. Ele não sabe que ficarei tanto tempo fora e nem de nenhum de meus planos, pois é um sonhador, e tentaria me impedir. Eu sou pé no chão como meu pai, e sei onde é o meu lugar.
Voltei com a continuação da série Sonhos. Este livro segue ao Sonhos e preconceitos.
Alguém com saudade da vovó Severina?
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Readquirindo sonhos - Livro 2 - Série Sonhos
RomanceManoel desistiu de seu grande amor por acreditar que era simples e humilde demais para ela, que apenas atrapalharia sua vida. Andréia nunca esqueceu seu primeiro namorado que a abandonou. É possível perdoar quem tanto te machucou, mesmo com a melhor...