Capítulo 4

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POV Andréia

Precisei fugir assim que vi o Manoel vindo em minha direção, nem pensei direito e pedi para o Matias me levar embora. Arrependi-me assim que as palavras saíram da minha boca, pois percebi como ele ficou satisfeito com meu pedido, mas não soube como voltar atrás. Ele sempre quis ser mais que um amigo, porém nunca lhe dei esperanças. Há algo nele que me incomoda e geralmente procuro me manter afastada.

Ao me deixar em casa, tentou me beijar antes de eu sair do carro, porém consegui me desvencilhar. Tentou disfarçar, mas não pôde esconder que ficou decepcionado.

Entrei em meu quarto e me joguei na cama, deixando as lágrimas rolarem pelo meu rosto. Ver Manoel me mostrou que continuo sentido o mesmo que antes. Ele estava ainda mais lindo que da última vez que o vi, com seus cachos castanhos caindo sobre seus olhos escuros. Vinha na minha direção, o que será que pretendia? Por que fui medrosa e fugi?

Me deito lembrando de nossos momentos juntos e sonho com seus braços em minha volta e com o sorriso que só tinha para mim. Éramos jovens, apenas 16 anos quando começamos a namorar, mas o sentimento era forte, pensei que nada poderia nos afastar. Mas como me enganei...

Acordo na segunda-feira bem cedo, pois é meu primeiro dia no pronto-socorro do hospital da região. Um de meus professores me indicou e trabalharei como clínica geral. Penso em fazer uma especialização, talvez em pediatria, mas ainda não me decidi.

Volto para casa exausta. Ocorreu um acidente de manhã com várias vítimas e foi uma correria para atendermos a todos, felizmente não houve óbitos. Tomo um banho relaxante e me deito mais cedo. Nem para ler tenho ânimo.

A semana continua com dias mais cheios que outros, porém estou fazendo o que gosto e para o qual eu estudei por anos. Por maior que seja o cansaço, as vitórias diárias e a saúde restabelecida dos pacientes me alegram e fortalecem.

- Filha, atende a porta, é para você – minha mãe me chama no sábado de manhã.

- Um entrega para Andréia Silveira – um entregador da floricultura está na minha frente, com um ramalhete de flores silvestres, minhas preferidas.

- Obrigada, mas quem enviou?

- Não sei dizer, moça, mas há um cartão – diz ao se despedir.

Procuro e encontro o envelope, dentro dele um bilhete:

"Andréia

Este singelo presente para a mais linda flor que já vi.

Saudades, Manoel"

Não sei se ficou feliz ou irritada. Ligo na hora para a Júlia, que me diz que virá imediatamente.

- Cadê o cartão, amiga? Deixa-me ver!

- Aqui está. O que acha?

- Que frase mais banal, será que pensou sozinho ou copiou? – debocha, não é segredo que não gosta dele.

- Depois de tudo o que aconteceu conosco, esperava algo mais – não consigo esconder a frustação.

- Este bilhete poderia ser de qualquer um, não há nada de pessoal nele – minha amiga concorda e só me deixa mais chateada.

- Mas por que será que me enviou?

- Ele disse algo ontem na festa?

- Não, quando ele estava se aproximando, pedi para o Matias me trazer para casa.

- Então é isso! Sabe que sempre houve uma rixa entre eles por sua causa. Deve estar querendo marcar território.

- Será? Não quero acreditar.

- Queria dizer que é porque ele mudou, amiga, mas não acha muita coincidência?

- Tem razão. Mas o que faço agora?

- Se fosse você, jogava o presente na cabeça dele – fala com um sorriso maldoso, que me arranca uma gargalhada.

- Só você para me fazer rir, Júlia. Mas acho que vou só devolver, as plantinhas não têm culpa de nada.

- Eu deixo na casa dele quando for embora. Vai escrever algo?

- Não, já gastei minha cota de cartas para o Manoel.

Minha amiga leva o buquê quando sai, e quase peço para ela me devolver as flores. Afinal ele se lembrou de que são as que mais gosto.

Evito sair no final de semana, temendo encontrar meu ex-namorado, apesar da insistência de Júlia para que vá me divertir.

A semana começa agitada e tenho meu primeiro plantão. Tenho caído na cama tão logo tomo banho e janto.

- Filha, deixei sua correspondência em seu quarto - tenho uma surpresa quando chego em casa do trabalho na quinta-feira: uma carta de Manoel.

"Andréia

Recebi de volta as minhas flores e acho que mereci.

Pensei muito numa forma de tentar me reaproximar de você e acho justo que seja através de cartas. Espero uma resposta, mas entendo se não receber, afinal, quantas vezes me escreveu sem retorno?

Escreverei uma carta para cada uma que você me enviou. Mas agora quero responder à sua primeira.

Me perguntou por que eu terminei nosso namoro. Vou te contar o que aconteceu: tanto meu pai quanto seu padrinho me alertaram que eu te envergonharia sendo apenas um simples trabalhador braçal. Que como médica, precisava de alguém à altura. Não queria ouvi-los, mas quando você mesma disse que eu precisava estudar, porque não havia outra opção, não havia como fugir da triste realidade. Pode me perguntar por que não iniciei uma faculdade e a explicação é que além de não achar que poderia conseguir uma vaga em uma instituição pública como você e não ter dinheiro para uma particular, também acreditei quando meu pai me disse que eu não fui feito para isso. Ele pensa diferente agora, JC colaborou para isso, mas quando eu tinha 18 anos, ele me convenceu que um filho de nordestino está destinado a ser apenas burro de carga. Hoje, ainda não me formei numa universidade, mas me permiti readquirir sonhos antigos e tenho minha própria empresa. Agora só falta realizar o maior desejo do meu coração: você.

Não sei se o que te contei me desculpa por todo o sofrimento que te causei, mas talvez te ajude a entender.

Sempre te amei, sofri muito longe de você por todos esses anos e te quero de volta.

Com amor e saudade, Manoel"

Minhas lágrimas rolam enquanto leio sua carta. Esperei sua resposta por tanto tempo e finalmente a tenho em minhas mãos.

Mas será que o que me contou justifica seus atos? As garotas com que saiu ainda não espinhos cravados em meu coração. Porém meu tio e padrinho não deveria dizer aquelas coisas para ele, era apenas um garoto.

Penso muito e resolvo não responder. Deixarei que se esforce mais, não por vingança, mas para ver até que ponto está disposto a ficar comigo.




Readquirindo sonhos - Livro 2 - Série SonhosOnde histórias criam vida. Descubra agora