Parte II

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  O trono continuava lá, no topo. Habitava-se entre as mais altas e densas nuvens. Com o Grande sentado sobre ele, com a glória habitando-o. Mas Lucífer estava no sopé, à guarda. Nos últimos dias odiava tal coisa, mas lembrava-se que em outrora era o que mais gostava, guardar o trono.
  Raguel era tão silencioso que às vezes esquecia que ele estava ali, do outro lado da escada dourada. Naquele dia, ostentava uma lança de prata com rebites de ouro fundido e uma ponta tão afiada quando seu nariz. Seus cabelos prateados eram um tanto semelhante à toga que adornava no seu corpo bem esculpido. É belo, sim. Mas não é como eu. Eu sou ainda mais bonito e sábio, sou. E ainda mais intelegente.
 
Quando Lucífer o olhou, ele fitou-o, seu maxilar era firme e largo, estreitando os olhos cinzentos.
– Os serafins estão estranhos? – perguntou.

– Ah, não sei de n-nada. – ele respondeu, trêmulo. – Acho que estão como sempre, por quê?

– Vi Leviatã e Abaddon conservando com Yenku, mas acho que não é nada. – e outrora me viu com Yenku. Se acha esperto, Ragel... mas tente atrapalhar os meus planos, tente…

– Os dois não são próximos, isso é sim estranho. Eu vou até Yenku, posso pergunta-lo o motivo da conversa.

Raguel cerrou o punho na lança erguida.
– Mas… não é preciso. Talvez…

– É preciso, fique. – respondeu Lucífer, logo depois curvou-se diante de Deus, e saiu de sua presença aos passos leves e rápidos.

Avistou Yenku cerca de meio metro à um lírio desabrochando, pela expressão carrancuda que nasceu em seu rosto alvo, poderia supor que estava ali a um bom tempo.

– Preciso falar algo – disse-lhe Lucífer.

– Aqui não – respondera Yenku –, venha comigo.

O Jardim de Ouro era muito maior que podia-se imaginar vendo-o pela frente. Ao início via-se flores de todas as cores, separadas pelas belas paredes com as rosas douradas, mas seguindo para dentro, árvores silvestres e trepadeiras cresciam à todo lado, fazendo aquele local mais parecer uma mata ao invés de jardim. Lucífer sabia que não tardaria a encontrar com o homem, temia que o encontrasse, não queria fazê-lo mal, não antes dos outros.

Desde que ele fora criado, sentiu a falta de algo dentro de si, e depois soube o que era. No dia em que o Criador quis que ele louvasse a nova criatura, descobriu que era aquilo lhe tinha roubado a atenção e amor de Deus, e o odiou por isso.
  À sua frente Yenku caminhava lentamente, tomando o cauteloso cuidado para passar pela vegetação rasteira, via as árvores cortando o solo sob seus pés, saltando para fora com um turbilhão de raízes traiçoeiras e escuras, com um leve fio de musgo as cobrindo. Mas, o céu era desnudo de qualquer teto, escondido apenas por galhos finos.

Ao lado de uma grande acácia, um véu de água deslizava pela terra, e unia-se a outra mais para frente. Abaixo da árvore, podia ver as seis longas asas de um serafin esguio, com caracóis dourados coroando seus ombros largos, conhecia-o, era Kesabel. E mesmo sem aproximar, conseguiu ouvir seus risos secos.

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