Capítulo 4

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O gabinete do Sr. Feitosa era de um bom tamanho, porém pequeno se comparado ao resto da casa, onde tudo era agigantado. Próximo às janelas, havia uma escrivaninha, grande o suficiente para se equilibrarem alguns livros e dois candeeiros – um em cada ponta. Não havia papel de parede, nem quadros. A sobriedade se fazia também na falta de tapetes e enfeites. Várias cadeiras de palhinha estavam distribuídas em círculo e, ao centro, uma alta mesa redonda se sobressaía. Repleta de livros, todos colocados de forma desordenada, tinha um castiçal, de cujas velas havia pingado cera em alguns volumes – indicando que há muito tempo ninguém os tirava de lá.

No gabinete, imerso numa nuvem de fumaça formada pelos charutos acesos, não havia cadeira sem dono, nem metro de chão sem pé. Estava repleto de senhores, todos eles embravecidos, urrando, gesticulando, comentando e criticando. Tudo ao mesmo tempo, sendo quase impossível distinguir quem dizia o quê e quem concordava ou discordava de quem. As vozes iam crescendo à medida que dois escravos iam servindo-os de vinho. Era: um gole, uma crítica; um gole, uma ameaça; um gole e mais vinho no meu copo!

Montenegro e Canto e Melo, apoiados nas sombras do escritório, atentavam ao que era discutido ali e a cada movimento. Montenegro pôs a mão na frente da boca e segurou a tosse. Não suportava o cheiro de charuto. Queria ir-se dali, mas Canto e Mello lhe sussurrava ao ouvido:

-Fique um pouco mais. Sei que valerá à pena.

Os senhores discutiam o Gabinete de Rio Branco, questionavam a política do Partido Conservador, criticavam "a mixaria" que o governo pagaria caso libertassem os escravos menores de idade, reclamavam da proibição do tráfico negreiro – assunto velho, mas sempre em uso –, xingavam a permissão dos escravos herdarem ou poderem guardar dinheiro, e reprovavam o fato de não poderem mais separar famílias.

-Daqui a pouco, o governo quererá que paguemos o escravo, o deitemos em cama de mola e o cubramos com lençol de linho. – vociferou um homem, cutucando Montenegro – E ainda quererão de nós um beijo de boa noite!

A expressão de Montenegro passara do casual ao severo. Todo o seu rosto se transformara em descontentamento. O maxilar estava trincado, a sobrancelha abaixara, os olhos fixos ganharam um aspecto sombriamente gélido e o punho se cerrara. Prendia o ar.

Canto e Melo arrependeu-se de tê-lo chamado. Queria que soubesse o que faziam com os escravos e onde estavam e não que acabasse socando alguém.

-Vai estragar tudo... – murmurou em seu ouvido.

Montenegro soltou o ar. O punho se abriu. As sobrancelhas e o maxilar relaxaram. Porém o olhar frio, este ele não conseguia mudar. Continuava fixo no homem, feito fera a observar a sua presa.

-Sr. Montenegro! – gritaram do outro lado da sala. Era um homem mediano, de cabelos e olhos castanhos e um nariz que se fazia tão proeminente quanto o seu queixo pontiagudo – Explique-nos, o que é que o senhor faz na sua fazenda? Não conseguimos entender como pode ser lucrativo não ter escravos?! – o Sr. Astolfo pôs os dedões nos bolsos do colete, fazendo pose de corajoso.

As vozes diminuíram e algumas conversas paralelas se esgotaram. Muitos queriam saber o que exatamente acontecia na fazenda Caridade e porque ele não tinha escravos. Seria um abolicionista infiltrado entre eles?

O convidado abaixou os olhos metálicos e mastigou um leve sorriso pretensioso:

-Faço o que a maior parte das fazendas paulistas começaram a fazer: colônias de parceria. Eu permito que cultivem nas minhas terras e me repassem parte do seu plantio.

-Não seria mais barato ter escravos do que pagar colonos?

A pose de Montenegro foi se firmando, assim como a sua convicção:

A BARONESA DESCALÇA (amostra do e-book)Where stories live. Discover now