11 de outubro de 2009 – Bulgária, às 3:13 a.m.
Eu gostava de dormir com o Sr. Fofinho naquela época. Era um ursinho pardo, dado pelo meu pai dois anos antes. Depois que papai e mamãe se separaram, não tinha sido fácil viver longe dele. Muito menos depois que mamãe casara de novo. George era um homem muito mais velho que ela, e tinha um cheiro estranho de hortelã e charutos. Mesmo com todos os empecilhos do homem que podia ser pai de mamãe, ela teve um filho dele. Pietro.
Ele chorava muito durante as primeiras madrugadas. Seis meses de madrugadas em claro. Ela em claro no caso. George vivia viajando, quando estava em casa justificava cansaço do trabalho, mandava mamãe ou uma das babás calarem a boca da criança. Ninguém conseguia. Pietro era muito inquieto e sofreu muito com cólicas. Logo descobriram que era epilético também. Sempre pensei que a causa era o gene maldito do velho George.
Quando ele chegou nos oito meses de idade, aquietou-se mais. Com ajuda de muitos medicamentos também.
Quando finalmente a casa dormia tranquila, Sr. Fofinho me protegia.
Me protegia dele. Do Maldito.
Ele vinha durante à noite, quando todos já estavam cansados demais para acordar com meus grunhidos.
Eu era tão pequena e ele tão grande. Ainda sinto sua presença sobre mim, com a enorme barriga contra o meu queixo. Sempre pressionando. Machucando. Me matando toda noite, e todo dia.
Ele costumava me visitar duas vezes por semana quando estava em casa, conforme cresci, passei a vê-lo menos. Acreditava que Sr. Fofinho me afastava dele. Quando fiz oito anos, mamãe disse que era muito velha para dormir com ursos de pelúcia. Tive meu primeiro surto.
Parei no hospital. O médico disse que tivera um ataque de pânico e me encaminhou ao psiquiatra.
Mamãe e deixou passar mais um tempo com o Sr. Fofinho.
Hoje, ele me protegia. Mas Maldito entrou mesmo assim. Tocou nos meus cabelos, massageando-os devagar.
– Shhh. Minha princesa está doente, está? – Ele sussurrou no meu ouvido, e depois deu uma mordidinha de leve.
Senti nojo. Chorei baixinho, pois sabia o que viria a seguir.
– Shhhh, minha princesa, não chore. – Me acalentou, deitando na cama ao meu lado. – Amanhã papai George vai te comprar o maior urso que você escolher – ele enxugava minhas lágrimas, tão tranquilo como se... me amasse.
Abracei mais forte meu ursinho protetor quando as mãos enrugadas de Maldito deixaram minha face para trás e começaram a desabotoar eu pijama xadrez. Eu não lutava mais naquela época, ele sempre me batia quando o fazia. Aceitava tudo que ele fazia. Consentia, sim.
Era minha própria assassina. Mas se podia me matar tão facilmente, por que não fazer com ele?
Foi, então, que comecei a tramar.
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INTRÍNSECO
Fiksi RemajaDentro de um conceituado internato na Alemanha, jovens são praticamente jogados ali pelos seus pais. Cada um enfrentando seu medo interior e tentando conter mais um surto psicótico enquanto médicos e professores insistem em dizer (pelas suas costas)...