21 de março de 2014 – México, às 12:17 p.m.
Você já teve a sensação de profundo vazio? De estar completamente perdido e sozinho, mesmo cercado de pessoas? Eu sinto isso todos os dias. Já estou acostumada. A depressão é mais complexa do que muitos pensam. A minha veio com uma falta de ar insistente. Depois o vazio.
Sou rica. Meus pais possuem a família dos sonhos. Dois filhos inteligentes e saudáveis, Dexter era sempre tão esperto e alegre; realmente não sei por que saí 'defeituosa', como diz meu pai. Não tenho motivos para sofrer, mas quem disse que sofro ou que preciso de motivos para sentir o que sinto? É mais profundo do que isso. Eu queria mesmo é sentir. Sofrer. Amar. Ter raiva ou compaixão. Qualquer coisa.
Não amo minha família, e consigo sentir menos ainda pelo meu pai. Se for mesmo possível
Mesmo exibindo a felicidade de um casamento perfeito, uma vida invejável, a vida é mais invejável do mundo; a realidade da família Gutteav é pior que qualquer um imagina.
Meu irmão, Dexter, com 12 anos já fuma maconha periodicamente. Minha mãe não ama meu pai, nem poderia. Ela é gay. Ou uma aberração, como meu avô costuma gritar quando bebe. Ela foi forçada a se casar com eu pai, e claro que ele passou o resto da vida de casado tornando a vida dela um inferno por ter sido enganado.
Ambos têm amantes. Ambas são mulheres.
Já saí com Ximena uma ou duas vezes antes de papai descobrir a namorada de mamãe e espancá-la no banheiro. Ouvi os gritos por horas a fio durante a madrugada.
Não me importei. Da próxima vez, ela que escondesse melhor suas aventuras.
De algum modo, o banheiro, da mesma maneira que era um martírio para mamãe, tornou-se meu refúgio. Meu paraíso.
Todos os dias depois do almoço eu me recosto na banheira. Fecho meus olhos por quinze momentos, tentando me lembrar de qualquer coisa que pudesse me despertar algum interesse. Nada nunca vem. Abro meu estojo de giletes e escolho uma à minha preferência. É a melhor parte do meu dia. A dor e o sangue em meus pulsos me fazem lembrar que ainda sou humana. Ainda posso chorar.
Muitos psicólogos já me perguntaram porque escolho a dor em vez da alegria para me despertar do meu celeiro psicológico. É tão simples: não existe nada mais forte que a dor. Quando não se tem nada, deseja-se muito. No meu caso, uma overdose.
É como uma droga de fato. Não consigo mais parar de desejar a gilete em seu destino primoroso de me selar para o mal que me abate. Pode parecer confuso, mas encontro felicidade na minha dor.
A felicidade do alívio.
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INTRÍNSECO
Teen FictionDentro de um conceituado internato na Alemanha, jovens são praticamente jogados ali pelos seus pais. Cada um enfrentando seu medo interior e tentando conter mais um surto psicótico enquanto médicos e professores insistem em dizer (pelas suas costas)...