Gaby
Eu entendo Victor. Chegar em uma cidade nova, ter que encarar uma nova realidade, não é fácil!
Quando ele me perguntou sobre o que aconteceu com Clara, fiquei meio que sem reação. Não posso vomitar tudo que sei de uma vez para o garoto. Isso mexe muito comigo ainda. Clara e eu éramos melhores amigas desde o jardim de infância.
Por ser a pessoa mais próxima à ela, me faz acreditar que sou a única que não se dá por satisfeita com o rumo que a polícia tomou nas investigações. Fizeram parecer que ela era culpada por estar na hora errada, com a pessoa errada. Mas a verdade é que ela é vítima de algo muito maior do que podemos compreender, e eu vou conseguir provar isso. Mas antes, preciso que saibam exatamente o que aconteceu com minha amiga querida. A verdadeira versão dos fatos.
Era o primeiro dia da oitava série, o último ano antes do colegial. Clara e eu estávamos ansiosas para o que nos reservava durante o ano. Cindy, naturalmente, já anunciava a primeira festa do ano letivo, no sábado, e claro, todos estavam convidados.
Clara tinha um vício incomum por coisas relacionadas com magia, vampiros, lobisomens e dezenas de outras coisas místicas e fantasiosas. Ainda sim, não deixava de ser uma menina doce, meiga e simpática. Sempre atenciosa, conseguia identificar a tristeza em um simples bom dia de qualquer pessoa. Mas dias antes de sua morte a versão de Clara era bem diferente.
Chegamos na festa quando já estava bombando. A casa estava cheia de pessoas, algumas conhecidas da escola, outras da vizinhança, e outras caras que nunca vimos na vida. Sem problemas, queríamos nos divertir. Pegamos bebidas e fomos dançar com uma galera que conhecíamos da escola. Em um dado momento, Clara teve que ir ao banheiro e eu, que nem ao menos tinha chegado na metade do meu copo, resolvi ficar ao invés de acompanhar minha amiga. Neste ponto em diante me arrependo de todas as decisões que tomei.
Talvez ela estivesse ainda viva se eu tivesse a acompanhado.
Clara demorou muito tempo para voltar, mas muito tempo mesmo. Eu já estava no terceiro copo de bebida, quando percebi que a demora extrapolava uma fila convencional de banheiro. Resolvi ir atrás dela.
A mansão da Cindy é enorme. Comecei procurando pelas salas do primeiro andar. Nada. Estavam cheias de adolescentes, e por isso demorei muito para conseguir furar a muralha de pessoas e chegar à escada para subir ao segundo andar.
Enquanto subia as escadas, comecei a sentir os efeitos de tanta bebedeira. Minha visão não estava cem porcento. Precisei segurar no corrimão, porque a tontura estava começando a ficar mais evidente.
Quando cheguei no segundo andar, comecei a procurar pelos quartos. Alguns tinham as portas abertas, outros tinham as portas fechadas. Em todas as portas que abri, vários jovens se pegando, a maioria não ligava para a minha presença. Ainda sim, nada de achar minha amiga.
Quando cheguei no final do corredor, pude ver Clara saindo de um dos quartos dos quais eu já tinha passado. Será que eu não a reconheci? Como não pude ver minha própria amiga? Mas ela não saiu sozinha. Um cara saiu atrás dela, trocou algumas palavras e desceu a escada. Ela então se virou e parecia que estava procurando por alguém.
Gritei por ela enquanto a tentava a alcançar. No terceiro grito ela reconheceu e veio ao meu encontro.
- Gaby, estava querendo te achar mesmo.
- Onde você estava Clara? Estou te procurando faz tempo. Você saiu para ir ao banheiro e desapareceu.
- É que encontrei um garoto lindo. Ele veio puxar papo comigo e começamos a conversar.
- Mas onde você estava? Eu lembro de ter passado por aquele quarto e não ter te visto.
- É que estávamos no banheiro, você sabe... se pegando.
- Nossa Clara, como assim?
- Eu sei, não é demais?
- Sim, claro... mas quem é esse menino?
- Eu não sei muito bem. Quer dizer, ele disse que o nome dele é Nate e que é novo na cidade.
- Clara, cuidado, isso pode ser perig...
- Perigoso? Eu sei, mas ele é tão bonito. Eu estava indo te procurar porque queria te informar que vou ficar lá fora com ele.
- Tem certeza?
- Tenho, claro. Ele disse que vai me apresentar para seus amigos que vieram com ele.
- Tá certo então. Vai lá. Eu acho que já vou embora mesmo.
- Tudo bem amiga?
- Tudo ótimo, relaxa, eu já tava de saída. Mas não fique preocupada comigo. Vai lá, fica com esse tal de Nate.
- Você é demais! Estou te devendo essa. Beijos Gaby.
- Beijos.
E foi assim que deixei minha amiga nas mãos de alguém que nem eu nem ela sequer conhecia. Tudo bem, eu estava meio bêbada, e minhas escolhas não foram as mais inteligentes, mas eu não devia ter bebido tanto. Isso custou a sanidade da minha amiga, custou a vida também.
Fui para casa e só voltei a falar com Clara na segunda, já na escola, porque ela não respondia minhas mensagens, telefonemas, e também não estava em nosso ponto de encontro para ir à escola juntas.
Quando cumprimentei ela, percebi que estava um pouco distante, como se apenas seu corpo estivesse presente. O olhar tinha mudado, estava meio frustado, entristecido. Fiquei receosa de que pudesse ser alguma coisa que eu tivesse feito.
- Clara, está tudo bem?
- Claro amiga, porque não estaria?
- Não sei, você parece distante.
- Ah, não é nada. Estou pensando no meu príncipe encantado.
- Uh, quem te viu quem te vê. Me conte mais sobre ele, como foi o fim da festa?
- Te conto tudo mais tarde, pode ser?
- Claro, sem problemas, Clara!
Nossa conversa terminou em risadas, talvez as últimas que demos juntas. Ela não me contou sobre o garoto novo mais tarde daquele dia, nem no outro dia, nem no outro final de semana, nem nunca. Estranhamente, ela começou a me ignorar, e toda vez que eu conversava com ela ou a chamava, as palavras saiam vazias dela, sem assunto, sem contexto, falando apenas o necessário para me satisfazer e acabar logo com o papo.
Além de me ignorar, começou a faltar na escola. Ela nunca faltava, assim como eu. Esse comportamento começou a me preocupar, e quando fui falar com sua mãe, algumas semanas depois desse comportamento estranho de Clara, a mesma não soube me informar o que estava acontecendo. Nada tinha mudado em casa, nada tinha mudado em nada, a não ser Clara.
O que me faz acreditar que esse garoto que ela conheceu na festa da Cindy, o tal de Nate, é talvez o culpado pela mudança de comportamento de Clara, é porque em uma aula de atividade física, quando estávamos sentados na arquibancada recebendo instruções para o próximo jogo, passei os olhos de relance pelo celular que Clara estava digitando - aliás, ela não saia do celular depois que começou com esse comportamento estranho.
Consegui ver a mensagem do tal de Nate, algo como "me encontre depois da escola, vamos tentar de novo hoje". Queria ter visto muito mais, mas Clara percebeu que eu estava espiando e bloqueou a tela. Quando contei isso para os policiais, eles disseram que aparentemente era apenas um dos vários contatos que ela tinha, pois seu celular estava cheio de números desconhecidos com mensagens do mesmo estilo do qual presenciei.
Essa nova Clara já estava durando 6 meses. O primeiro semestre da oitava série estava no fim e eu já nem reconhecia minha amiga. Depois dessa nova conduta de Clara, deixei de sair para as festas da turma, porque minha melhor amiga estava em outra órbita.
Mas resolvi dar a volta por cima, porque não podia ficar no limbo para sempre. Se Clara não queria falar comigo, então era melhor eu correr atrás do prejuízo. Cindy estava convidando a turma inteira (e o resto da cidade) para a festa do fim do semestre. E eu resolvi ir nessa festa também. Mas saiba que foi nessa festa em que Clara foi morta.
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Rua Sem Saída
Mystery / ThrillerHá alguns anos, um acidente aconteceu naquela rua sem saída. Muitos diziam que eram práticas do tipo satânica, misteriosa, bruxaria, etc... Eram apenas histórias para assustar crianças, pensava Gaby. Para ela, tudo não passava de mitos para esconde...