Observava o tom branco das paredes do cômodo com seus olhos meticulosos. Havia anos que não entrava naquela sala, mas lembrava-se perfeitamente das persianas sem graça, do sofá de couro negro e a mesa de mogno adornada de papéis e bibelôs.
E como não lembrar da mulher altiva a sua frente, Carolyn Scott, uma mulher loira de seios fartos, amiga íntima de sua mãe dos tempos de faculdade e sua madrinha.
— Donna, já conversamos sobre isso... seu caso ... Você... é completamente anti ético de minha parte acompanhar seu caso, temos laços afetivos, conheço você desde o nascimento, sua família é basicamente a minha família, nossa relação é quase mãe e filha... – A mulher loira bufou retirando os óculos impaciente. Tocou a região dos olhos demonstrando cansaço.
— Tsc! Entendo. — Donnatela Fiore riu com certo amargor. — Talvez devesse voltar pra minha vida medíocre, naquele apartamento. — A doutora Scott estreitou os olhos.
— Pare de se vitimar, Donnatela ! A maior culpada pelos seu problemas é você mesma que interrompeu seu tratamento sem prescrição médica.
—Está me dizendo isso como minha médica ou como minha mãe? – O sarcasmo de Donna era o que mais irritava Carolyn, a menina de uns tempos para cá tinha se tornado mais ácida e insuportavelmente irônica.
— Não, Donna estou dizendo isso como sua madrinha! Estou dizendo isso como alguém que se preocupa e quer o seu bem! —A médica levantou-se e se aproximou da jovem de postura desleixada e cabelos num tom rosado que lhe fitava com certo rancor puramente refletido naqueles olhos verdes. — Por favor, só quero o melhor pra você!
Donnatela pareceu ponderar por um instante ajeitando a mochila de alça surrada e puída, em sinal de desconforto, algo que não passou despercebido pela doutoura.
Conhecia a menina desde pequena, a viu dar os primeiros passos, falar suas primeiras palavras e desabrochar como uma linda rosa.
Mas se culpava diariamente por não ter percebido os primeiros sintomas, por ter relevado as mentiras infantis que ela lhe contava, por não ter percebido o que acontecia com sua menina.
Donnatela foi diagnosticada com Mitomania aos 13 anos de idade por Kate Parker, amiga psicoterapeuta da doutoura Scott . Nesse transtorno, as mentiras podem ou não ser completamente desproporcionais à realidade. Na verdade, é um desafio para terapeutas identificar este problema porque nem sempre eles são capazes de distinguir a mentira da verdade, isso requer certo tempo e uma avaliação criteriosa.
É importante também diferenciar a mitomania, de falsas memórias, pois mesmo indivíduos saudáveis costumam distorcer suas memórias e ter lembranças muito diferentes de um mesmo evento, ou usar de situações não ocorridas com eles mesmos aplicando mentiras por pura ânsia de se destacar sobre os outros, muitas vezes utilizando outras pessoas como foco para atingir seu objetivo final, o que não é o caso de Donna.
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Mitomania
RomanceMitomania, compulsão em mentir, pseudologia fantástica ou mentir patológico; é um transtorno psicológico caracterizado por contar mentiras compulsivamente, sem benefícios externos e geralmente restritos a assuntos específicos e alusivos (como famíli...