Capítulo 1 - Insano

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Alguns dizem que é impossível acostumar-se ao sofrimento. Eu digo que o sofrimento é relativo, alguns são genuinamente ricos e sofrem, outros infinitamente pobres e conhecem o verdadeiro significado da felicidade.

Meu nome é Ailsa White, tenho vinte anos e cresci num lar para crianças abandonadas na área pobre de Edimburgo. As freiras que cuidam do lugar, disseram-me que fui abandonada envolta em nada mais que uma manta suja. Me perguntei por anos, a razão pela qual meus pais me acharam indigna de um lar. Indigna do seu amor.

Ao longo da vida, eu havia aprendido muitas coisas. Cometia muitos erros e era castigada por eles. A madre era deveras, criativa, quando se tratava de castigos, muitos dos meus, envolviam ficar de joelhos sobre grãos de milho rezando, enquanto batia com um chicote em minhas costas.

Ela não ficava satisfeita até ver sangue, dizia que meu perdão só viria quando derramasse o meu sangue. Ela observava minha mutilação por horas, até que o sangue surgisse de algum machucado.

Caylin era minha única amiga, um ano mais velha do que eu, a garota limpava meus machucados e eu os dela. Nós assumíamos a culpa por qualquer bagunça, para os pequenos não passarem pelos castigos.

Deveria ter sido expulsa do lugar anos antes, porém houve inúmeras tentativas do padre da pequena igreja de me tornar uma freira, contudo minha total incapacidade de esconder o que penso me impediu de seguir o caminho religioso.

Então para não ficar sem um teto sobre minha cabeça, passei a trabalhar limpando cada canto da igreja e da casa onde vivíamos, ajudando a cuidar dos órfãos, principalmente quando estavam doentes e lidando com o nosso pequeno comércio de queijo.

A madre jamais escondeu sua aversão quanto a minha presença no lugar, Caylin em certa altura desistira, ela dissera-me algo sobre "estar cansada de esperar que algo de bom acontecesse, que ela não suportaria mais um momento naquele lugar.", então ela partiu. Deixando-me para trás.

Após uma longa manhã de trabalhos braçais, de ficar completamente encharcada em água suja e cansada demais para ir a qualquer lugar que não meu quarto improvisado, a madre pedira-me para ir a parte comercial do vilarejo. Tentar receber o que nos era devido.

Sentindo uma vontade imensa de dar-lhe uma resposta petulante, mordi minha língua e assenti. Precisava do teto, precisava ter um lugar para ficar. Havia apenas mais um lugar para onde mulheres com a minha idade poderiam ir... E eu não queria ser uma delas.

Caminhei para o quarto e vesti meu vestido reserva, a peça estava quase se desfazendo em meu corpo, assim que saí do quarto, apanhei meu velho manto. Colocando o capuz para encobrir minha face, caminhei para fora da igreja.

Segui pelas trilhas desertas ladeadas por florestas, era uma longa caminhada até a parte menos pobre do vilarejo, todavia, há muito acostumei-me a longas caminhadas.

Após algumas horas, vi-me batendo as portas dos nossos compradores, recebendo apenas "não" em resposta, ninguém tinha dinheiro para pagar pelo queijo vendido, as crianças precisavam ser bem alimentadas, no entanto, ninguém se importava com um bando de crianças maltrapilhas, abandonadas por suas famílias.

Deixando que minha ira descansasse nos confins dos meus pensamentos, observei o céu, não me restavam muitas horas de luz do Sol e as estradas costumavam ser perigosas à noite.

Sentindo cada parte do meu corpo doer e meu estômago roncar devido as longas horas sem comida, arrastei-me em direção a igreja, mas algo na estrada chamara a minha atenção, havia dois homens de pé, eles discutiam.

Meu coração disparou em meu peito e o medo se alastrou sob minha pele. Aquele era o caminho mais próximo da igreja, retornar e seguir outro caminho, consumiria um tempo que eu não tinha. Observei a floresta densa, perguntando-me se conseguiria seguir por ela.

A Sósia de Uma Lady (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora