1 - Lua Cheia na Estrada

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O Sol estava quase no zênite, e também estava a sua paciência. Ela estava esperando há pelo menos uma hora por um sinal de seu alvo, e o calor do mês de novembro não ajudou a melhorar o seu humor. Quando deixou a capital paulista, há três semanas, não imaginava que a caçada por um mero capanga fosse se prolongar tanto. Só depois de cruzar a divisa com Minas Gerais que ouviu-se o primeiro relato que a levou até ali ao distrito de São Roque, a poucos quilômetros da nascente do rio São Francisco.

         Do alto do morro, ele sacou uma pequena luneta de uma das algibeiras presas ao cinto e olhou em direção ao sul. Uma extensa campina de vegetação baixa se estendia diante dela e, lá embaixo, uma estrada de terra serpenteava por entre os morros em direção a um vilarejo próximo. Tinha passado por uma cachoeira a um quilômetro atrás, e pensou que poderia se refrescar ali quando tudo acabasse.

        O calor arruinava seu humor, embora ela tenha tentado se vestir da forma mais leve possível. Usava um corset de couro abaixo do busto e afivelado nos ombros, sobre uma camisa de linho azul-marinho sem mangas, com um capuz, que estava levantado para proteger do sol forte, um par de mitenes que cobriam todo o antebraço, mas deixava os dedos à mostra, um short que terminava pouco acima dos joelhos e um par de botas que cobria até quase os joelhos, ambos da cor marrom.

         Quando finalmente, a lente da luneta captou seu alvo surgindo na estrada sob uma nuvem de poeira, ela soltou um suspiro de alívio antes de guardar o instrumento. Em seguida, baixou o capuz, revelando um rosto arredondado, cabelos negros na altura dos ombros, com uma franja um pouco acima das sobrancelhas, olhos castanhos e proeminentes, uma pele consideravelmente branca para alguém que passe tanto tempo ao sol, porém, com algumas sardas que, somadas ao nariz pequeno e levemente arrebitado, lhe concediam um ar ainda mais infantil.

        Tranquilamente, ela leva a mão às costas e puxa uma balestra com cabo de madeira e mecanismo modificado com uma roldana de alta rotação, tornando a recarga mais rápida. Ela pega um dardo de uma das bolsas e o encaixa no dispositivo. Mira num ponto distante da estrada, bem à frente do alvo, e espera. Espera. Respira. E dispara. A seta atravessa pneu e aro da roda dianteira. Ela ergue a cabeça e observa enquanto motoqueiro, moto e sidecar voam em direções diferentes.

         Com um discreto sorriso triunfante, ela devolve a balestra ao coldre nas costas e caminha lentamente até um solitário jacarandá, onde deixara sua própria moto. "A Peregrina", como ela a chamava, tinha um chassi de berço duplo, revestimento em bronze e rodas grandes o suficiente para sustentá-la de pé sozinha. Para guiá-la, era necessário ficar praticamente de bruços. A garota colocou os óculos de proteção, até então pendurados no pescoço, deu partida no motor e desceu o morro para encontrar o homem atordoado.

         – Você é Lázaro? – Ela perguntou por mera formalidade após estacionar a moto na beira da estrada.

         – L-L-Lady Lua Cheia! – Gaguejou o homem agora em pânico, se levantando e correndo aos tropeços.

         – Por favor, não corra. – Ela disse, com certa frustração na voz e jogando a cabeça para trás.

         Lázaro, é claro, não parou. Todos fugiam ao avistar a implacável caçadora de recompensas Lady Lua Cheia. O título, na verdade, era uma troça dos tempos de infância. A menina tinha uma cara redonda e pálida, como a lua, e inflava as bochechas de raiva toda vez que era chamada assim, o que estimulava ainda mais a comparação e as brincadeiras. Anos depois, num de seus primeiros trabalhos, o bandido espalhou a história de que a única coisa que ele vira antes de ser deixado inconsciente fora a sombra da garota projetada pela luz da lua cheia. Daí, seus atos ganharam tons de lendas. Diziam que a lua a favorecia e a escondia em sua sombra. Logo, ela passou a adotar o nome como uma insígnia.

Os Olhos da CorujaOnde histórias criam vida. Descubra agora