Raios que te partam e fogo que te queima

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Bato na porta pela milionésima vez. Os nós dos dedos da mão já em carne viva. Faz tanto tempo que ela sumiu que me pergunto se não havia esquecido de nós no meio dos outros prováveis problemas que essa festa poderia surgir. Chuto mais uma vez. Que nem seja ela, pode ser qualquer um, mas que venha aqui para salvar-nos!

— Dá para dar um tempo na tortura dessa pobre porta? — zomba Carlo. Ele já está sentado no chão uns bons cinco minutos.

— Desculpa, Vossa Majestade, se é — trinco o maxilar — defensor — ranjo os dentes — das pobres portas. — grunho. — Se isso lhe satisfaça, Majestade, mas minha mão não saiu ilesa.

Carlo ri. Sinto a ponta das minhas orelhas esquentarem. Nesse momento de desespero ele ousa debochar de mim? Em vez de me ajudar insiste em permanecer como um menininho zombeteiro irritante. Ranjo os dentes. O reizinho pega a coroa, a analisa e joga para o outro lado da minúscula sala. Pelo menos há uma janela pequena para fazer a circulação do ar.

— O que será que houve? O que fizemos de errado para estarmos nessa infeliz situação? — indaga dramático. Reviro os olhos.

— Prefere ordem cronológica ou alfabética. — digo com escarnio. Encaro os olhos de Carlo. Parece que há algo de estranho. — A resposta mais rápida seria que a nossa culpa conhecermos Rosalinda. Afinal, foi ela quem nos preparou para a festa, Majestade. — explico com um sorriso tristonho.

Escorrego pela porta desgraçada. Sinto o chão frio na minha bunda. Passo uma olhada rápida na sala cheia de bugiganga, mas nenhuma que pudesse nos ajudar nesse momento de crise. Rio. Seguro a cabeça e olho para baixo.

Será que eu taquei pedra na cruz? Eu tinha que ficar na presa com Carlo Pereira da Silva? Entre tantas pessoas.

Suspiro cansada.

Algumas madeixas arroxeadas caem. Olho com raiva e depois rio jogando a cabeça para trás e batendo-a na porta. Hoje está sendo um desastre. Nem para acertarem no tom eles acertaram. Meu cabelo está mais para violeta do que para roxo.

Sinto-me queimar com o escrutínio de certo alguém. Olho feio para ele. Carlo, cara-de-pau, olha para o lado e assovia. Não durando nem três minutos direito, o passarinho se cansa de cantar e sorri. Sibilo.

— Gostei do seu cabelo. — comenta. Fico tentada a dar-lhe uma resposta malcriada, porém, resolvo ignorar. — Ficou bonito em você. A sua fantasia também não é nada mal.

— Com certeza não é digna a um rei. — ironizo. Carlo me olha com fervo. Controlo a vontade de me retrair. No lugar de me mostrar fraca, ajeito a coluna e levanto o queixo.

— Que é isso, Blanda. Não podemos dar um tempo nessa briguinha besta por um minuto sequer, já que parece que Rosalida não vai voltar tão cedo para socorrer-nos.

Permaneço calada. Carlo, já cansado de ficar com o traseiro real no chão frio, levanta e começa a mexer nas prateleiras abarrotadas. Deito no chão. Não tenho nada para fazer. O que eu queria fazer já fiz. Já liguei para a minha irmã. Ela está bem, ao menos.

Observo de esgueira Carlo. Ele é alto, robusto, com ombros largos. Não é atoa que todas as garotas amam o rei Águia. Rio ao imagina-las no meu lugar. Acho que Carlo tem sorte, no final, de Rosalinda ter feito isso comigo não com uma Carlomaníaca. Ou ela sairia grávida ou com o coração arrasado.

— Poderia me responder uma coisa, Blanda? — pergunta casualmente.

— Pode desta vez. — digo. Vejo seus ombros balançarem como se ele estivesse rindo. Sorrio.

A Cada Badalada dos CoraçõesOnde histórias criam vida. Descubra agora