I.II.I - Valentina

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(Música: The Funeral - Band of Horses)

Por muito, mas muito tempo mesmo, pensei que podíamos ser imortais e, que a vida era curta demais. Sempre idealizei que o conhecimento é nossa maior riqueza, e que sem ele, não chegamos a lugar nenhum. Imaginei que podíamos viver para sempre e assim conhecer de tudo um pouco. Eu via valor na vida. Eu tive medo de morrer sem aprender bastante coisa, tive medo de morrer sem fazer tudo que eu sentia vontade, eu tive medo de morrer. Meu coração sempre foi puro de sentimentos, eu, Valentina, sempre me intensifiquei, me doei demais para as pessoas, pelas pessoas. Sempre fui um livro de vários gêneros aberto, ali, disposto para todos que precisassem. Seria para conselhos, ou apenas uma leitura para conforto de dor. Eu já ensinei muito a muitos, bem como aprendi muito de muitos. Talvez se eu tivesse me preservado mais, pensado mais em mim, em como eu estava, eu não estaria vendo todos no meu velório agora. A vida tem valor enquanto te mostram o quão valorizada, você, a sua pessoa, é. Talvez eu vendo tudo isso agora, eu consiga entender que minha morte causou efeitos que eu nem imaginava.

Tem parentes ali que não falam comigo faz meses, alguns até anos se passaram. Nem ao menos eles sabiam que eu estava viva esse tempo todo. Eles são um dos motivos de minha morte, e a razão pela qual conheci que o termo família não se enquadra na minha realidade ilusória. Em questão de família, eu sempre estive sozinha. Estou andando por todos os perímetros desse cemitério, vendo quão certo deu meu plano trabalhoso. Confesso que é estranho estar dessa forma, nunca acreditei que era possível sair com meu espírito de meu corpo e ver tudo ali no mundo, de um plano diferente, e da forma que eu mais me sentia melhor, invisível. Posso ver tudo e todos, sem ao menos que eles me vejam. Aos espíritas de plantão eu posso permitir que me sintam, mas jamais, que me vejam. Meu caixão é preto e totalmente fechado, foi exigido por mim que ele chegasse lacrado e permanecesse, sem que ninguém veja o que está lá por dentro. Assim ninguém terá uma última imagem minha de olhos fechados, deitada e com as mãos sobre o corpo, coberta por flores e ali, morta. Deixei a última lembrança para cada um ali de quando eu estava viva. Da última vez que eles me tocaram, da última vez que sorri para eles com meu clássico batom vermelho. Quero pedir perdão para minha mãe e Apolo que, embora tudo que tenha acontecido, a última vista deles sobre mim não foi a que eu desejei, mas foi a necessária.

Eu disse a Ethan que o suicídio começa por dentro, eu não estava mentindo. Eu fui me matando todos os dias, pouco a pouco. O suicídio é algo sério e real, ele é gradativo. Tudo começa num riso sem graça, se estende ao choro escondido e calado, e por fim, termina com você tirando sua própria vida. É gradativo porque todos os dias terá alguém que fará você sentir a vontade de não respirar mais, então você tem certeza que é gradativo porque você morre um pouquinho todas as vezes antes de dormir, e todas as vezes após acordar. Eu entendi que o suicídio é você cometer um crime contra você mesmo, mas na verdade, esse crime é induzido por algo ou alguém, então, você entende que na verdade você jamais será o autor de sua morte. Bem, acho que isso ficou confuso, mas vamos lá, eu vou explicar.

Pense que há uma quadrilha criminosa, ela é obviamente liderada por um grupo e você entra como o capacho. É claro que os chefes dessa quadrilha são inteligentes demais para sujarem as mãos, eles desenvolvem tudo, mas no ponto final e crucial, quem faz o trabalho sujo é o capacho. Revertendo isso ao suicídio, é como se a quadrilha fosse as coisas e as pessoas que tiram de você a vontade de viver, te massacram, te espancam e torturam, literalmente acabam com sua saúde mental. E você nessa história é o capacho que, na hora de sujar as mãos, é você quem vai agir. Ninguém vai chegar em você e te matar, ele vão fazer bem pior do que isso. Eles vão fazer de tudo para que você apenas surte e acabe consigo mesmo, e o pior de tudo, é que eles se fazem de vítima sua sua perda.

INDUÇÃO - Causas, Efeitos, Consequências e Descobertas [Versão Projeto ]Onde histórias criam vida. Descubra agora