– OS DOZE anos que se seguiram a esse doloroso período – continuou Mrs. Dean – foram os mais felizes da minha vida. As maiores preocupações que tive, nessa época, foram as doenças comuns da infância que a nossa pequenina teve que enfrentar, como qualquer outra criança, rica ou pobre. Quanto ao resto, depois dos primeiros seis meses ela cresceu como um pinheiro, e já caminhava e falava do seu próprio jeito, antes que as urzes florescessem pela segunda vez sobre a sepultura de Mrs. Linton. Jamais uma coisinha tão cativante trouxera tanta alegria a uma casa desolada; tinha um rosto realmente lindo, com os belos olhos escuros dos Earnshaw, mas a pele clara, os traços delicados e os cabelos louros cacheados dos Linton. Tinha o espírito altivo, mas não áspero, amenizado por um coração sensível e ardente demais em suas afeições. Aquela capacidade de amar com intensidade fazia-me lembrar da mãe, embora não se parecesse com ela. Podia ser doce e meiga como uma pomba, tinha a voz suave e a expressão pensativa. Nunca se enfurecia quando sentia raiva, e seu amor nunca era violento, mas profundo e terno. No entanto, é preciso reconhecer que Cathy tinha defeitos para anular os seus dons. Certa insolência era um deles. O outro era uma tendência à obstinação, que muitas crianças mimadas possuem, quer tenham bom ou mau gênio. Se acontecia de uma criada irritá-la, dizia sempre: "Vou contar ao papai!" E se o pai a reprovava, mesmo que só com o olhar, parecia que lhe despedaçava o coração: não creio que ele algum dia tenha dito à filha uma palavra áspera. Mr. Linton tomou a educação de Catherine inteiramente em suas mãos, e fez disso uma distração. Por sorte, a menina possuía curiosidade e uma inteligência viva, que a tornavam uma ótima aluna; aprendia com rapidez e vontade, e honrava ao mestre.
Até a idade de treze anos, jamais havia saído sozinha do parque da propriedade. Em raras ocasiões, Mr. Linton a levara com ele cerca de uma milha mais adiante, num passeio pelos arredores, mas não a confiava a mais ninguém. Gimmerton era uma palavra sem substância aos seus ouvidos, e a capela era o único prédio no qual já entrara, fora a sua própria casa. O Morro dos Ventos Uivantes e Mr. Heathcliff não existiam para ela. Cathy era uma perfeita reclusa e, ao que parecia, estava feliz assim. No entanto, olhando os arredores da janela do seu quarto, às vezes comentava:
– Ellen, quanto tempo falta para que eu possa subir no alto daquelas colinas? Fico me perguntando o que existe do outro lado... será o mar?
– Não, Miss Cathy – eu respondia. – São outras colinas, iguais a estas.
– E como são aquelas pedras douradas, quando se fica embaixo delas? – perguntou uma vez.
A encosta escarpada dos Rochedos Penistone atraía sua atenção de modo particular, especialmente quando o pôr do sol iluminava as rochas mais altas, e o restante da paisagem ficava na sombra. Expliquei-lhe que eram blocos nus de pedra, que mal tinham um pouquinho de terra nas suas fendas para nutrir uma árvore raquítica.
– E por que ainda brilham, tanto tempo depois de já ser noite aqui? – prosseguiu a menina.
– Porque estão bem acima de nós – respondi. – Você não pode escalá-los, são muito altos e íngremes. No inverno sempre há neve lá em cima, bem antes de chegar aqui. E em pleno verão, ainda se vê neve debaixo daquele buraco profundo, no lado do poente!
– Oh, você já esteve lá, então! – exclamou ela, com alegria. – Nesse caso também posso ir, quando for moça. Papai já foi lá, Ellen?
– O seu pai lhe diria, Miss, que não vale a pena a visita – respondi, às pressas. – A charneca onde a senhorita passeia com ele é muito mais bonita. E o parque da Granja Thrushcross é o lugar mais bonito do mundo.
– Mas eu conheço o parque e não conheço aqueles rochedos – murmurou Cathy para si mesma. – E adoraria olhar ao meu redor, de cima daquele pico mais alto. O meu pônei, Minny, pode me levar até lá qualquer dia.
![](https://img.wattpad.com/cover/161783154-288-k109267.jpg)