O véu da noite se expandia sobre a Barra da Lagoa, enegrecendo o horizonte incendiado pelo sol que adormecia. O céu, outrora aquarelado, cravejava-se de estrelas, iluminado pelo halo cor de prata do luar em ascensão. Em menos de uma hora, começaria o plenilúnio. A lua cheia, no apogeu, iniciaria a sua dança, movimentando a rebentação das marés em muitas ondas sinuosas que entreteriam os surfistas. Em cada prancha, um semblante de expectativa a observar a marola.
Desceu da bicicleta com calma, olhando o movimento. Em primeiro plano, a língua rochosa que debruava a praia, desembocando no farol vermelho e branco eternizado nos cartões postais. Ao redor dele, alguns banhistas se aglomeravam, aproveitando os últimos instantes de claridade para registrarem em fotografia o encontro aquático da Lagoa da Conceição com o mar. Uma atitude que ele, mais do que ninguém, compreendia do fundo do coração.
Não importava quantas vezes por ali passasse desde a infância, Maurício sempre fazia uma pausa em um dos bancos de concreto para admirar a vista. A excitação de ver a calmaria plácida se transformar em oceano tinha um efeito catártico nas ideias; um ensinamento puramente intuitivo de que até mesmo a paz pode ser livre e selvagem. Talvez como, em segredo, ele também almejasse ser: maleável demais para caber em qualquer conceito que o resumisse. Embora o senso de identidade trouxesse apego às amarras.
Ia na casa de Bruninha, naquela noite, justamente para amenizar essa contradição.
- Mas por que demorasse tanto, pazzo? - ela tornou a perguntar, conferindo a lista em um caderno. Havia ervas, cristais e velas de muitos tipos separados sobre a mesa.
Pelo cheirinho de incenso e carvão em brasa, já podia riscar dali a primeira tarefa: defumar o Meumeu na porta antes de ele entrar. A recepção mais corriqueira de receber o convidado com uma xícara de chá havia ficado a cargo de sua bisavó Lunara. Para Bruna Vicente, cordialidades somente eram necessárias com quem não pertencia à família.
Maurício Katzen ia além disso. Fazia parte até dela mesma.
- Ah, eu quis aproveitar um pouco a vista e esbarrei com o teu pai no caminho - ele contou, remexendo a hortelã na emulsão. Gostava muito do saborzinho mentolado misturado com o cítrico. O toque de manjericão trazia um diferencial a mais, típico dos Vicente.
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Ultravioleta (da Série Destino Trocado)
Ficción GeneralAntes do Rio de Janeiro. Antes da Universidade. Havia apenas uma menina, a Ilha da Magia e todos os mistérios que, em sua beleza, ela segreda. Lendas sobre índios e bruxas envolvem a realidade ao toque da imaginação. A adolescência é a eterna dança...