Prólogo - A Lenda

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"Entre no meu mundo e eu te farei perfeito

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"Entre no meu mundo e eu te farei perfeito. Mas entre sem pedir licença, pois não precisas de convite para te apossares do que é teu".

As palavras feriam como navalhas pontiagudas, perfurando cada resquício de beleza que habitava nas lembranças. O céu que outrora fora leve e azulado enegrecia, transformado pelas nuvens carregadas do feitiço em execução.

"Não te assenhores do amor, Conceição. O que nasceu liberto não pode ser cativo, nem mesmo por vontade, nem mesmo por magia", os olhos dele respondiam, num brilho de luz bruxuleante que aos poucos se esvaía em uma densa escuridão.

Não deveria terminar assim.

O que os unia, desde o princípio, era a mais poderosa fonte de energia: um amor puro. Não era? Daqueles sobre os quais ouvia os poetas declamarem, em frenesi, desde o Açores até aportarem naquela ilha prometida; um pedacinho de terra perdido no mar. Porém, os versos alexandrinos e as cantigas de amor e morte jamais a prepararam às dores do porvir.

Ainda assim, ali estava. De joelhos, dizimada, assistindo ao ritual de sacrifício. A lua sangrenta nascia vermelha, rubra de luxúria como o afeto proibido a que o coven punha fim. As irmãs bruxas, em uníssono, entoavam: "leve contigo, ó, Grande Mãe, o audaz selvagem que corrompeu uma de nós". As velas que as rodeavam em formação de círculo se acendiam, uma a uma, pela força da requisição.

Apelo feito.

Não tinha mais volta.

Conceição aquiesceu em um consentir fingido. E por um breve segundo sentiu pulsar dentro de si a esperança de um triunfo que a realidade jamais consumaria. Nada daquilo era justo... Peri não a havia corrompido, as divindades sabiam! Havia tingido, de aquarela, o mundo antes monocromático em que a jovem bruxa era aprisionada. Havia acalmado o seu coração temeroso, sendo um acalento personificado da Grande Mãe Natureza em uma forma humana que enfim lhe mostrava a face.

Como poderia Ela atender ao pedido e o punir por amar, tão sinceramente, uma de suas muitas filhas? Como concederia a Sua energia primordial para consumar um feitiço que acabaria com a vida do ser mais gentil que Conceição conhecera?

"O homem branco nunca entende, pensa ter sabedoria", podia ouvir o pajé da tribo do amado justificar no fundo das recordações indesejadas. E de fato não entendia. Era com esse pensamento que conseguia odiar Peri por ter-se entregado às bruxas, garantindo que o fazia pelo melhor. Era com esse pensamento que o odiou ainda mais ardentemente do que o amara quando, diante dos seus olhos, o pior aconteceu.

Foi tudo uma mentira!

O índio bondoso com quem partilhava a adoração pelas matas descumpriu uma promessa; perdeu a forma idealizada. A tez acobreada a que, apaixonadamente, se entregava em meio às ondas virou água, e da doçura do espírito que a habitava nasceu então uma lagoa.

Ultravioleta (da Série Destino Trocado)Onde histórias criam vida. Descubra agora