Capitulo 15 - tênue Paranoia

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Eu olhava para todos e sem muito esforço previa o futuro de cada um deles, um seria médico, talvez um cirurgião passaria mais tempo em plantão do que em casa, a esposa não se importaria, os filhos ainda não estavam a caminho do mundo, e ela estaria empolgada demais com as visitas do vizinho solteiro. Por enquanto apenas um adolescente estudioso e de personalidade fraca, fortemente influenciável, esse era Hiro. viria calhar a ser útil, embora o nome possivelmente de origem asiática não possui tal ascendência.
Alguns rostos desconhecidos, talvez muitos, boa parte da sala. Em um momento ou outro meus olhos se cruzavam com outros, faces vazias, e eu na tentativa de não expressar julgamento.
Onde estariam os rostos conhecidos ? Dominic, Rachel, até mesmo June. Seria ela outra criação da minha mente carente e fértil ? Não. Apenas a garota a entrar pela porta. Aguardei ela se sentar próximo de mim, mas eu havia me isolado em meio a outros alunos, June não me procura e apenas se senta na 3° carteira da fileira do canto, a mais próxima da janela. Em seguida entram Rachel e se senta ao lado dela, me sinto ignorado, invisível... nem ao menos um "Oi" ?
⁃ Terra chamando Hugo... Hugooooo !!!
Uma mão tampa minha visão e eu retorno à mim.
⁃ Dommmmm, quanto tempo !
⁃ Um verão inteiro não é mesmo. Vem sentar com a gente lá na frente, você tá aqui todo isolado, Rachel e June estão esperando a gente.
As vezes Paranoias fazem nossa cabeça, mas nada que umas palavras de conforto não resolvam, "Estamos TE esperando".
⁃ achei que vocês fossem sentar no fundão, mas já que preferem a frente estou indo para lá.
Pego minha mochila e vou logo atrás de Dominic, me sento logo à frente dele ao lado de Rachel, e June sentada atrás dela.
⁃ como foram as férias de vocês? Diz Dominic
⁃ Eu passei duas semanas em uma ilha aleatória do sudeste asiático, praias afrodisíacas e todo aquele clichê das postagens que os pais de todo mundo compartilham no Facebook. Eu achei um tédio, mas pelo menos peguei uma marquinha, nada que eu não poderia ter feito no meu quintal e com R$10000,00 a mais. E você June ?
⁃ Acho que não fiz nada demais, uns dias no interior visitando parentes e o resto do tempo boiando e pensando na vida, sem contar as inúmeras tentativas de botar as séries em dia, todas falhas.
⁃ Passei uns dias no litoral e acho que a coisa mais relevante que fiz nesse verão foi ter transado. E você Dom ? Sei que você não teria perguntado isso se não tivesse feito algo relevante.
⁃ Grande Hugo, sempre à frente de todos não é mesmo ? Bem, como todo mundo sabe eu passei um mês inteiro na Europa, mas precisamente em Roma. Uns dias depois de ter me instalado lá e diante de uma "leve" dificuldade de conhecer pessoas eu tive a brilhante ideia de baixar um app...
⁃ Famoso tinder
⁃ Shiu Rachel, nada pior que interrupções.
Dominic é aquele amigo que está sempre levantando sua auto estima e te animando com todo seu calor humano e alto astral, quase um anjo com seu cabelo claro e enrolado, a frase "guardar em um potinho" se aplica nesse momento.
⁃ acabei conhecendo uma galera, conversando, saindo. E Acabei em um ménage, um menage em Roma !
⁃ Ménage com garotas ou garotos Dom ?
Sempre tive dúvidas quanto a sexualidade dele, sempre o considerei hétero, mas também curioso sempre atento a novas experiências, como nosso beijo e agora esse ménage.
⁃ bem, foram duas garotas, elas moravam na cidade e estavam procurando alguém pra se divertir, acabaram me encontrando.
O vice diretor, diretor, professor, coordenador estavam a entrar na sala. Talvez para dar as boas vindas ou punir algum aluno que infringiu as regras em pleno 1° dia de aula.
13:00, horário da saída, liberdade, chame como quiser. Recebo uma mensagem na caixa postal, me pergunto "quem ainda usa isso?", sempre acabo entrando em desespero diante do *Bip* e logo desligo. "Leave a message" ou "deixe uma mensagem" algumas coisas são mais bonitas em inglês e outras muito mais fáceis de dizer "I don't love you" "I hate you".
"Hugo, não vou poder ir te buscar hoje, mas para não te deixar aí desamparado mandei meu motorista te buscar, placa XDS-1328."
Reconheci a placa, um Sedan preto com vidros fumê, me despeço de todos, e entro no carro.
O trajeto começa, inúmeras tentativas de iniciar uma conversa, todas por parte do Motorista é claro. Waze aberto em um celular plugado ao painel. 40 minutos cruzando a cidade, preso no trânsito e com direito a algumas balas. O Carro então para em frente a um arranha-céu onde o tamanho pode ser definido na estimativa de "muito alto". Pego minha mochila e abro a porta.
"Me dê 5 estrelas" diz o motorista, tenho um dejavu instantâneo me recordo de ter visto isso em algum lugar, "black mirror" talvez.
"Meu motorista" meu pai havia dito, não se passava de um colaborador da Uber, mais uma de suas vigarices.
Me direciono a recepção e falo com uma atendente. A princípio ela mexia no celular, mas logo me notou.
⁃ Bom dia, perdão boa tarde. Como posso ajudá-lo ?
⁃ Meu pai, Jonas Furlan, ele está me esperando.
⁃ Poderia me mostrar sua identidade por favor, Procedimento de rotina.
Pego minha carteira, tiro minha identidade e a mostro.
⁃ ah sim, pode passar, está liberado,27° lado b.
"É hoje que perco o emprego" balbuciou a recepcionista enquanto eu atravessava a catraca.
Caminho até os elevadores e aperto o botão. 30 segundos depois abre-se as portas e logo saem uma dezena de homens engravatados. Entro no elevador, digo para o homem que aperta os botões "boa tarde, 27° andar."
O elevador subia, abria em diversos andares, pessoas entravam, saiam, e nada de chegar no 27° andar. "Existe um nome para essa profissão de apertar os botões ?"
"Ascensorista, senhor"
"Ah sim obrigado, e me chame de Hugo"
A porta abria e finalmente no 27° andar. deixo um "obrigado" para o ascensorista e saio. Em um primeiro momento me sinto desorientado mas logo me guio por entre aquele imenso e infinito andar. "Lado B" apontava a placa. Reconheço a risada de meu pai entre tantas outras. Vinha de uma sala de conferências, decido aguardar em um banco de espera logo ao lado de uma recepção vazia. Levanto e pego um copo de água em um bebedouro ao lado. Mordo as bordas em um sinal de ansiedade. "Odeio esperar" penso.

...

⁃ filho ! Desculpe a demora, tive uma reunião de última hora e acabei te deixando esperando.
Naquele momento eu já estava em outra galáxia, imerso na leitura da terceira revista de economia.
⁃ que ?
Momento em que seu cérebro captou os estímulos sonoros mas demora alguns segundos para traduzir e você finalmente entender o que foi dito.
⁃ ah sim, não tem problema.
⁃ Você deve estar com fome...
⁃ Estou até que bem nutrido de todas as opções de café que pude provar nessa última hora.
⁃ Vou pegar minhas coisas e te levo para comer algo.
Ele retorna com uma pasta em uma das mãos, vamos em direção ao elevador, logo chega. Após alguns minutos saímos do estacionamento.
⁃ tem um shopping aqui perto, quer almoçar lá?
⁃ Pode ser...
Tantas opções... restaurantes e mais restaurantes. Optei por um que servia Batatas grandes e recheadas, meu pai fez seu pedido no mesmo restaurante.
Nos sentamos, a cada garfada era possível notar suas expressões, sua mente se desdobrava a fim de puxar assunto.
⁃ como vão os estudos?
⁃ bem...
⁃ Muitas provas ?
⁃ No momento não, as aulas começaram essa semana e ainda não tive muito conteúdo.
⁃ Mesmo assim sei que vai se sair bem em todas.
Minha relação com meu pai pode ser definida com duas palavras: "diálogos mecânicos". Nunca fui próximo dele, mesmo antes do divórcio, nunca me chama encaixei nas características de filho padrão, se é que isso existe, Entretanto sempre houve interesse em mim e tentativas de estar presente da parte dele.
Ao por do sol eu estava na porta de casa, seus últimos raios eram emanados até mim, para então minha noite ser banhada em melancolia.
Minha mãe estava na cozinha, a preparar algum tipo de "jantar".
⁃ o que está fazendo ?
⁃ Roberto vai vir jantar aqui hoje.
⁃ Posso saber o motivo ?
⁃ Iremos discutir um novo plano de negócios e de como salvar a empresa da...
Em um sussurro e com a maior naturalidade ela diz: "falência".
⁃ mãe... você poderia ser uma boa atriz.
Hollywood ainda está a minha espera Diz ela enquanto subo as escadas.
Jogo minha mochila no canto do quarto, vou direto ao mini frigobar em minha mesa, abro e pego uma garrafa de água. Deito em minha cama, entre goles vou refletindo sobre minha existência, o conteúdo da garrafa não era água mas eu bebia como tal e em poucos minutos tudo já estava girando.
Subitamente as lágrimas surgem, sem o menor motivo aparente.
⁃ Hugo, desce aqui !
Chego e em um ato mudo ela aponta para um prato em cima da bancada. Percebo então que não vou jantar com eles, ainda mudo pego o prato e retorno ao quarto.
Me sento no tapete e decido comer lá mesmo dou algumas colheradas naquele péssimo estrogonofe de Angus, a comida não me desse, rapidamente sinto um profundo enjoo, afasto o prato e me deito no tapete, em poucos segundos sinto uma dor intensa, não demora muito até estar em posição feto, o vômito me sobe e o solto ali mesmo, tudo se escurece e...

Delírios de uma mente adolescenteOnde histórias criam vida. Descubra agora