Eu quero a cena onde eu possa brilhar

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O que é profundo? A partir de quantos metros caracteriza-se profundo o suficiente? Águas profundas são aquelas onde não é possível alcançar o chão, o ato de respirar profundamente se dá quando enchemos nossos pulmões de ar, para logo em seguida solta-lo d e v a g a r. Em um corte profundo é preciso suturar, enfiar uma agulha no corpo com tipo de linha especial e juntar ambos os lados da pele. O que é sentir profundamente? Sentir um amor tão profundo ao ponto de morrer, isso é amor? É verdade que fui amada profundamente, é verdade também, que pude sentir uma variedade de sentimentos um tanto profundos, é verdade que mesmo depois disso eu continuo viva, meu corpo continua vivo, meu coração ainda bombeia sangue, meus neurônios ainda fazem sinapses milhares de vezes por dia, mas isso é suficiente para estar vivo? Fisiologicamente, sim. Mas o fato é que já faz um tempo que não me sinto viva.

Acredito que, no fundo, todos nós escondemos um lado obscuro, um assunto intocável, que sempre vem à tona em madrugadas de insônia, um choro mudo para não acordar a pessoa do quarto ao lado, sabe a ironia da minha vida? Não tem uma pessoa no quarto ao lado para ser acordada nesse momento.

A seis anos atrás moravam quatro pessoas nesta casa, a casa n° 453, na rua Almirante Felix  Raposo, próxima a escola secundarista, era sinônimo de perfeição, a família Martins, esbanjava gentileza e era motivo de admiração entre a vizinhança. Senhor Afonso Martins, engenheiro ambiental, primeiro da turma na faculdade, 15 anos na profissão, meu pai, o primeiro a ir embora. Dona Leonor, tinha o emprego dos sonhos de muita gente, artista plástica, costumava ouvir Bon Jovi no sábado a tarde, enquanto coloria suas telas de aquarela, minha mãe, também foi embora. Meu irmão, ao contrário dos meus pais, ainda volta para casa, pelo menos umas duas vezes na semana, dorme o dia inteiro, e sai na noite seguinte, Luca, ostentava as melhores notas, gênio da física espacial, artilheiro do time de futebol da escola e o desejo de todas as meninas de 14 anos. E por fim, eu, Beatriz Martins, como uma boa garota de 11 anos, era apaixonada por uma boy band, escrevia um diário cor de rosa e sonhava em ser médica veterinária.

Parece que isso foi a tanto tempo, quem imaginaria que as coisas iriam mudar de forma tão brusca, cruzei a esquina do paraíso e me de deparei com o caos.

5 anos antes

11 de Dezembro de 2006 - 11 anos

A escola secundarista Lobato Freire, tinha o enorme prazer de ser a 9° do estado com maior índice de aprovação de alunos no programa de especial de ciências exatas, isso para uma instituição de ensino, localizada numa pequena cidade como Casteiro, era muita coisa, acontece que nem só de nerds da matemática se faz uma escola. E eu tava ali para comprovar essa tese.

O refeitório naquela semana estava mais cheio que o normal, as prova trimestrais haviam acabado na sexta e hoje seriam entregues os boletins finais, eu só queria meus três meses de férias, passar a manhã dormindo, a tarde lendo um livro, e a noite maratona seriados, sem o peso na consciência por atrasar os exercícios como sempre acontecia. O sinal para a hora do veredito toca, todo mundo se levanta, falando alto, contando seus planos de férias perfeitas aos colegas, acho que meu coração batia mais alto que todo aquele barulho ali, confesso que nunca fui a melhor pessoa em exatas, sempre tive que passar horas sobre os livros, tentando solucionar equações, encontrar o x sempre foi um problema, entretanto, eu tinha o melhor professor de cálculo do mundo, ele era rigoroso, verdade, mas sempre mostrava que éramos capazes, e eu morria de medo de decepcionar o Sr Rian com uma nota baixa.

_ Ei, Bia, espera! -assim que viro,  vejo o Arthur correndo na minha direção. _ Quando acha que tirou em cálculo? - ele pergunta meio ofegante.

_ Acho que você não deveria sair correndo desse jeito, Super Pulmão! - Ironizo

_ Já fazem quase dois meses que não tenho uma crise de asma, eu sou o Super Pulmão mesmo! - ele responde.

Arthur, foi o meu melhor amigo desde de sempre, a mãe dele era amiga da minha, e no fim, crescemos juntos, volta e meia, alguém tem que correr com ele para o hospital no meio de uma crise de asma. Se tinha uma coisa que eu admirava nele, era o seu modo tranquilo de lidar com as coisas, nada o tirava do sério, além disso eu adorava sua sua risada, as vezes ele gargalhava tanto que os olhos verdes enchiam de lágrimas, era preciso eu pedir para ele parar, de outro modo era bem fácil dele morrer de rir, tipo, literalmente.

Sentamos lado a lado, como de costume, enquanto esperávamos a coordenadora chamar nossos nomes. Dona Sandra tinha um jeito engraçado de andar, os óculos quadrados e tortos no nariz, além do cabelo castanho estilo chanel, deixava ela parecida com a Velma do Scooby-Doo, e era assim que o corpo discente a chamava por trás.

O bom de seu nome começar com a letra B é que se a chamada for por ordem alfabética a tortura termina mais cedo. Primeiro Arthur é chamado, logo em seguida sou eu, e nunca agradeci tanto um 7,5 na vida, Arthur ainda vai frequentar uma semana de aula, vos apresento alguém pior que eu, no meu caso já posso comemorar. FÉRIAS.

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